terça-feira, 19 de julho de 2011

Volume I - Francisca Cloltilde









INTRODUÇÃO

Em toda a história da civilização, em todas as grandes conquistas do direito, a mulher tem representado uma altíssima posição de destaque. Abra-se a História de qualquer País e lá está o nome de uma Joana d’Arc a fazer realçar na sua dedicação, no seu amor, na sua ternura, o heroísmo do sexo.
Joaquim Pimenta
                                     
O espírito de luta está latente na alma do povo cearense, não somente dos homens, mas também das mulheres. Apesar de sermos obrigadas a reconhecer os mil e um entraves que se antepõem aos passos dados pela mulher no caminho da notabilidade sócio-político-intelectual, é impossível esquecer que em qualquer setor das nossas atividades vitais possuimos muitas mulheres admiráveis.
A História do Ceará do Século XIX e do início do Século XX registra figuras como Bárbara de Alencar, que personificou o pensamento republicano da mulher cearense do seu tempo; Jovita Feitosa se apresentado como Voluntária da Guerra do Paraguai; Maria Tomásia presidindo a Sociedade das Senhoras Libertadoras no Ceará, Francisca Clotilde, Emília de Freitas, Alba Valdez, Ana Nogueira, Ana Facó, Serafina Pontes, e Antonieta Clotilde, educadoras, poetisas e escritoras, que espalharam em jornais, revistas e/ou livros as suas criações literárias.
Este livro contempla de modo especial Vida e Obra de Francisca Clotilde.  Originado a partir da Monografia: "Trajetória Educacional e Literária de Francisca Clotilde", realizado no Curso de Especialização em História e Sociologia, Universidade Regional do Cariri, Núcleo de Tauá.
A curiosidade para conhecer essa personalidade tauaense surgiu em novembro de 2004 por ocasião do lançamento do livro "Joaquim Pimenta", da autoria de Edmilson Barbosa, quando o poeta e professor Dimas Macêdo fazendo Menção ao homenageado e ao autor citou a tauaense "Francisca Clotilde" como paradigma da literatura feminina cearense, sendo autora do romance A Divorciada.
Quando iniciamos a pesquisa, nossa primeira frustração foi a de não encontrar nas livrarias e nem nos sebos o romance A Divorciada. Outra dificuldade foi a de não dispor de um Referencial Bibliográfico até descobrirmos um Grupo de Trabalho – GT, da Universidade de Santa Catarina, na pessoa da escritora Zahidé Lupinacci Muzart.
Na Biblioteca Menezes Pimentel, no Setor de Autores Cearenses – prontamente atendidas pela bibliotecária Terezinha Maciel - conseguimos para xérox o exemplar de “A Divorciada”, edição de 1996, direcionada para um grupo de colecionadores, o qual, nos proporcionou vários meses de estudo.
Novo sonho: ler o original de A Divorciada. Foi travada uma busca acirrada. No Setor de Obras Raras, constava, mas não estava... Até que numa outra visita foi localizado no Setor de Restaurações e com permissão de seu Chiquinho a leitura se deu ali mesmo. É indescritível a emoção vivida naquele momento. “Há livros, memoráveis, que mudam a perspectiva de visão de quem os lê”.
Outras obras de fundamental importância para o andamento do estudo foram Sonetos Cearenses, de Hugo  Victor, de 1938, com interessantes notícias bio-bibliográficas de poetas que se notabilizaram no Ceará, a exemplo de Francisca Clotilde; a Coleção Mulheres do Brasil, em 5 volumes, contemplando Francisca Clotilde e o seu romance A Divorciada no volume 3, e da mesma coleção, o volume 6, um estudo de sonetos de Francisca Clotilde e um resgate da importância da revista A Estrella, para a história dos periódicos redatoriados por mulheres no Ceará; também foi de grande importância a coleção "História da Literatura Cearense", de Dolor Barreira, em quatro volumes, especialmente os volumes 1 e 2. 
O marco desta maior desta pesquisa se deu quando após várias tentativas conseguimos encontrar familiares de Francisca Clotilde. Era agosto de 2005 quando falamos pela primeira vez via telefone com a professora e poetisa Rosângela Ponciano, bisneta de Francisca Clotilde. A partir de então, iniciamos troca de figurinhas: sonetos, contos, crônicas, artigos, etc.
Ao acaso, encontramos o pesquisador Gilmar de Carvalho (março de 2006) na Biblioteca da Academia Cearense de Letras e (no mesmo dia) na Biblioteca Menezes Pimentel no Setor de Obras Raras, que gentilmente nos forneceu o telefone da artista plástica Nice Firmeza, ex-aluna e afilhada de Francisca Clotilde que nos encaminhou ao ex-aluno Antero Ferreira Bezerra, esposo de uma das netas de Francisca Clotilde, Angelice de Castro Bezerra. Fomos recebidos no seio da família que nos disponibilizou a revista “A Estrella”, edição de out/nov/dez de 1921.
A trajetória de Francisca Clotilde revelou-se das mais marcantes em relação à sua Época, pois experimentou durante sua vida diferentes fases do pensamento sócio-político-cultural cearense. Tendo consciência de que a escravidão era uma mancha que envergonhava a Nação se engajou no Movimento Abolicionista. Tornou-se, por mérito próprio, professora da Escola Normal de Fortaleza ainda na década de 80 do Século XIX, mais precisamente no ano de 1884, com apenas 22 anos de idade. Pertenceu a várias agremiações. Desafiou os poderosos do seu tempo através de sua arma preferida: a pena. Experimentou os dissabores da Seca e das Enchentes; os temores da Primeira Guerra Mundial, a Revolução de 1930.
Ao mesmo tempo, desfrutou da companhia de nomes mais ilustres da intelectualidade cearense, seja na Família, no Colégio Imaculada Conceição, na Escola Normal Pedro II, na Sociedade das Senhoras Libertadoras, no Centro Literário e/ou na Imprensa. Manteve intercâmbio cultural também com personalidades de outros estados, até mesmo de outros países como Portugal e da França.
Neste livro não temos a pretensão de narrar integralmente todos os feitos de Francisca Clotilde, o que seria impossível, visto sua personalidade multifacetária - Professora, Abolicionista, Poetisa, Jornalista, Contista, Romancista, Dramaturgista, Amiga, Mãe e Avó.
Nascida no Município de Tauá, no estado do Ceará, aos 19 de outubro de 1862 – ano em que o Ceará foi acometido da epidemia "Cólera Morbus", sendo seus pais João Correia Lima e Ana Maria Castelo Branco. Descende, pois, de ilustres famílias de intelectuais cearenses.
Gomes de Freitas em Tauá Terra e Homens (1972: 44) dando notícias das famílias que ocupavam o território do Tauá, afirma:
Atraídos pelo comércio de gado e a excelência das boas pastagens para os seus rebanhos, vieram ter aos Inhamuns, várias famílias do patriarcado de outros Estados. No Século transato aglutinaram-se aos Feitosas, os Rêgo de Oeiras no Piauí e os Castro do Rio Grande do Norte, senhores no rio de Jucás e seus afluentes.
Mais Tarde juntaram-se ainda os Castelo Branco de Baturité, que, por coincidência casaram-se com filhas do Tesoureiro da Sisa Real dos Inhamuns. Ricos e poderosos, elegeram como feudo o rio Puiu, onde já sentara tenda o Capitão Vicente Ferreira de Sousa.
Subindo o rio de Favelas, uma figura de respeitável patriarca, o capitão Manoel Ferreira da Graça, comprou dos herdeiros do Capitão-mor Mateus Muniz de Barreto cinco léguas de terra e fundou a fazenda Campo Preto, por cujo nome é conhecido o numeroso Clã: os Teixeira, os Cavalcante, os Mota, os Ferreira de Sousa e os Oliveira.
Na parte setentrional o Coronel Francisco de Barros e Albuquerque torna-se latifundiário da fazenda Bom Jesus, com as terras do alto e médio Carrapateiras e seus confluentes, o São João do Sertão de Crateús e o Banabuiu no Sertão de Mombaça.
Já no Trici encontramos os Barreto, que são os mesmos Diniz Maciel; os Gomes, os Ferreira, os Veloso, os Oliveira, os Rodrigues, os Pereira, os Correia de Lacerda, construindo uma só família com os Figueredo que se entrelaçam com os Ferreira e Albuquerque e os Almeida. No meado do Século XIX, vieram, às quais juntaram-se os Alexandrino, do Piauí.
No médio e baixo Carrapateira os Pereira de Carvalho, numerosos, que deixaram tradição de prestígio social.
No baixo Puiu, estão os domínios do Ten. Cel. Custódio André dos Santos e o Capitão Manuel Gonçalves dos Santos, que depois trouxeram os seus parentes e fundaram o Clã dos Carcarás. Ainda no rio Puiu vamos encontrar o numeroso Clã dos Marinheiros.

Sinto não poder levantar o perfil completo de sua infância em Tauá, sem data precisa – provavelmente pela grande Seca de 1877-1879, a família se muda para a serra de Baturité, onde moravam familiares maternos. Fez os primeiros estudos com a professora Ursulina Furtado, por quem, ao longo de sua vida, cultivou profunda admiração.
Depois do aprendizado primário, foi interna no Colégio Imaculada Conceição em Fortaleza (1878-1880), já então se fazia notar o seu espírito lúcido e elevado, a sua cultura sólida e brilhante e as suas inclinações literárias e poéticas, aparecendo poemas seus no tradicional jornal "Cearense" aos quinze anos.
Aos 09 de junho de 1882  foi nomeada para a 2ª cadeira do sexo feminino da Capital cearense, através de portaria assinada pelo então presidente da Província do Ceará, o Bacharel Sancho de Barros Pimentel. Concomitantemente ao ofício de professora, participa como Membro integrante do Clube das Senhoras Libertadoras.
Fato notável na vida de Francisca Clotilde – ter sido a primeira professora do sexo feminino a lecionar na Escola Normal de Fortaleza, ainda no Século XIX. Data de  27 de junho de 1884 o Registro de Título da Formação da professora Dona Francisca Clotilde Barbosa Lima para a cadeira feminina superior anexa  a Escola Normal. Portaria assinada por Antonio Pinto Nogueira Acioly.
Exímia colaboradora na Imprensa de Fortaleza, nos jornais Pedro II, Gazeta do Norte, Cearense; Libertador, Constituição; nas revistas: Contemporânea; A Quinzena; O Domingo; A Evolução; Almanack do Ceará; Almanach dos Municípios do Ceará; A República, Ceará Ilustrado, Fortaleza, O Combate, Ceará Intelectual, Colaborou também em revistas do interior: "A Cidade", de Sobral, "A Ordem" de Baturité; entre outras.
Em 1889 publica obra didática Lições de Aritmética para a Ala feminina da Escola Normal, com objetivos pedagógicos, contendo 102 páginas. Em 1893, por perseguição política é demitida da Escola Normal, e funda em Fortaleza um Educandário: o Externato Santa Clotilde, que funcionou por três anos.
Em 1897 passa a morar em Redenção - a primeira cidade do Ceará a libertar os escravos, e de lá, em Baturité. Ali fundando um Externato em que meninos e meninas, sem separação assistiam, ao mesmo tempo, a mesma aula e, ao recreio, convivendo na doce camaradagem da infância. Mesmo morando no interior do Estado continua colaborando na Imprensa, como por exemplo, no Almanack do Ceará, que a partir de 1897 trás uma parte literária e ano após ano aparece sonetos seus, crônicas e charadas.
Em 1902, impassível às regras da sociedade publica “A Divorciada”, romance de 233 páginas, publicado na Typographia Moderna a vapor Ateliers Louis, Fortaleza, Rua Formosa - hoje Barão do Rio Branco, nº. 71, obra que pelo título abala a sociedade da província gerando debates conflituosos entre a ala conservadora e a ala progressista.
Seu nome aparece em jornais e revistas também fora do estado do Ceará, como é o caso da revista O Lyrio, de Recife (1902-1904), de Amélia Freitas Beviláqua com quem tinha laços de amizade; teve poesias e contos publicados. A Familia, São Paulo e Rio de Janeiro, dirigida por Josefina Álvares de Azevedo.
Co-fundadora da primeira Agremiação literária feminina fundada em Fortaleza em 1904, presidida por Alba Valdez, ambas identificadas no meio literário como defensora do direito da ascensão cultural, econômica e política para as mulheres.
Durante quinze anos foi colaboradora assídua da revista A Estrella, fundada em Baturité, no dia 28 de outubro de 1906, por sua filha Antonieta Clotilde e por sua sobrinha Carmem Thaumaturgo.
Em 05 de março de 1908 passa a morar em Aracati e aos 09 de março do mesmo ano, funda o Externato Santa Clotilde, “o melhor de toda a zona jaguaribana, de onde, aliás, lhe vieram igualmente alunos de ambos os sexos”, diz a ex-aluna Stela Barbosa Araújo. No dia 25 de março O Aracati, órgão de Imprensa local afirma que: “merecem verdadeira apoteose de aplausos às primorosas quão modestas poetisas as Clotildes, mãe e filha”.
Prefaciou alguns livros, como por exemplos, O Livro D’Alma, de Serafina Pontes; Harpejos, de Vasco Benício e Magnólias, de Fernando Weyne. Há quem diga que sua produção que se encontra esparsa em jornais e revistas pelo mundo afora dariam volumes.
A fúria do rio Jaguaribe - que tem seu nascedouro em Tauá, no ano 1924 inundou o Aracati e infelizmente muito se perdeu da rica produção dessa nossa beletrista.
Francisca Clotilde foi mulher de vanguarda, uma mulher de denúncia; escreveu sobre questões sociais, colocando em debate o mundo das pessoas, dos homens e das mulheres. Faleceu em Aracati no dia 08 de dezembro de 1935.
Suas obras hoje constituem raridades bibliográficas. Podem ser encontradas na Biblioteca Nacional; na Biblioteca Pública Menezes Pimentel de Fortaleza – CE, no Setor de Obras Raras e no Instituto do Ceará.
É Patrona na Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, cadeira ocupada pela ex-aluna Maria Stella Barbosa de Araújo. Também Patrona a Cadeira Nº 16 na Academia Feminina de Letras, tendo como primeira ocupante Alba Valdez. É nome de Logradouro em Fortaleza, no bairro Rodolfo Teófilo, CEP: 60431-070. É nome do Grupo Teatral  na cidade de Aracati. É Patrona da Cadeira Nº 11 na Academia Tauaense de Letras. É Nome do Centro de Referência da Mulher do Município de Fortaleza. 
Atravessou anos e confirma, centenária, a vocação de ser imorredoura. Escrevemos esse livro por sentimento de admiração e justiça, como reconhecimento de seus feitos em prol da participação social, política e cultural da Mulher cearense.









A Professora

Jamais esquecerei as sábias lições de civismo, a sua bondade inigualável, a sua extrema tolerância e suave meiguice.
Stela Barbosa Araújo



No Ceará do Século XIX poucos foram as pessoas que tiveram o privilégio de frequentar uma escola, e principalmente uma escola secundária. Em Fortaleza, capital da Província, na primeira metade do Século XIX, foi fundado o Liceu em 1845, para a Educação dos rapazes.
Outro fato histórico da vida intelectual do Ceará foi a criação da Escola Popular, inaugurada em 31 de maio de 1874, cuja escola objetivava a formação intelectual do proletariado.

Alguns moços inteligentes, inspirados dos mais nobres sentimentos, resolveram abrir uma escola noturna,  denominada Escola Popular, tendo como idealista Raimundo Antonio da Rocha Lima, com o apoio de João Lopes Ferreira, Benjamin Constâncio de Moura, e Israel B. de Moura. João Brígido  presidiu o ato, que em breve discurso, declarou instalada a Escola. Lugar para Conferências  de idéias livres[1].

Ainda na década de 1870 foi fundado o Colégio da Imaculada Conceição dirigido pelas Irmãs de São Vicente de Paula, vindas da França, também conhecidas como Irmãs de Caridade. Na modalidade de Internato, inicialmente destinado a cuidar das meninas órfãs e, posteriormente, estendido a meninas de famílias abastadas. O Colégio oferecia cursos profissionalizastes para formar professoras primárias. Foi nesse Educandário que Francisca Clotilde recebeu o Diploma para exercer o Magistério.
Dando notícias do Colégio Imaculada Conceição, Rachel de Queiróz – que se diplomou no Colégio Imaculada Conceição em 1925, a ele se reporta no romance "As Três Marias",

O colégio era grande como uma cidadela, todo fechado em muros altos. Por dentro, pátios quadrados, varandas brancas entre pitangueiras, numa quietude mourisca de claustro.
De um lado, vivíamos nós, as pensionistas, ruidosas, senhoras da casa, estudando com doutores de fora, tocando piano, vestindo uniforme de seda e flanela branca.
Ao centro, era o ‘lado das Irmãs’, grandes salas claras e mudas onde não entrávamos nunca.
 E, além, rodeando outros pátios, abrigando outras vidas antípodas, lá estavam as casas de Orfanato, onde meninas silenciosas, vestidas de xadrez humilde, aprendiam a trabalhar, a coser, a tecer as rendas dos enxovais de noivas que nós vestiríamos mais tarde, a bordar as camisinhas dos filhos que nós teríamos, porque elas eram as pobres do mundo e aprendiam justamente a viver e a penar como pobres.
Uma proibição tradicional, baseada não sabe em que remotas e complexas razões, nos separava delas. Só as víamos juntas na capela, alinhadas nos seus bancos do outro lado do corredor, quietinhas e de vista baixa, porque as regras que lhes exigiam modéstia, humildade e silêncio, eram ainda mais severas do que as nossas[2].

Plácido Castelo, em sua História do Ensino no Ceará, (1970:246), afirma que,

O Colégio Imaculada Conceição teve como primeira Superiora a Irmã Margarida Bazet, que o dirigiu até julho de 1887, quando faleceu. Substituiu-a Irmã Gagné, que faleceu em dezembro de 1917, sendo substituída pela Irmã Henriot, que faleceu em 1930. Segui-lhe a Irmã Mahieu e várias outras.

Aos 09 de junho de 1882 Francisca Clotilde foi nomeada para a 2ª Cadeira do sexo feminino da Capital cearense, através de Portaria[3] assinada pelo então presidente da Província do Ceará, o Bacharel Sancho de Barros Pimentel.
Outro marco de desenvolvimento intelectual da Fortaleza e da mulher cearense foi a criação da Escola Normal Pedro II. Amparada pela Lei Provincial nº 1790 de 28 de dezembro de 1878 – cuja Lei, autorizava o poder executivo a criar nesta capital uma Escola Normal em que se habilitassem os candidatos do magistério público.
Somente em 1881, no governo do Dr. Pedro Leão Veloso, a Escola Normal passou a ser realidade, ainda assim funcionando em Sala Anexa ao Liceu. Tendo como Inspetor Geral de Instrução Pública o Dr. Rufino Antunes Alencar. E como objetivo a formação de professoras para Escolas Públicas da Província. O ensino na escola Normal Pedro II era laico, se contrapondo ao ensino religioso do Colégio Imaculada Conceição.
Três anos depois, no ano de 1884 a Escola Normal Pedro II viria a ter Sede própria. Plácido Castelo (1970:197), dando notícias da inauguração oficial do prédio da Escola Normal, afirma:

Aos 22 de março de 1884, pelas 12 horas da manhã, na cidade de Fortaleza, Capital da Província do Ceará, nos salões do Edifício da Escola Normal, situada à Praça Marquez de Herval, foi solenemente inaugurada pelo Exmo. Presidente da Província, Dr, Sátiro de Oliveira Dias, dita Escola Normal. (...) Presentes o corpo docente do Liceu, os professores públicos e particulares, os diretores de instrução primária e secundária, os Chefes de repartições e grande número de pessoas gradas. Entre as pessoas gradas se encontravam o Bispo D. Joaquim José Vieira, Mons, Hipólito Gomes Brasil, Senador Liberato de Castro Carreira, Dr. Rufino A. de Alencar, Antonio Teodoro da Costa, Hipólito Cassiano Pamplona, Eng. Antonio de Lassanse Cunha, João Lopes Ferreira Filho, Pe. João Augusto da Frota, João Cordeiro, Pe. Vicente Salazar da Cunha, a escritora Francisca Clotilde Barbosa Lima, Maria Tomásia Figueira Lima, Antonieta Gurgel e Antonino da Cunha Fontenele.

Francisca Clotilde já segura de seus conhecimentos, submeteu-se aos exames para professora da Escola Normal Pedro II, fazendo provas brilhantes, com distinção em todas as matérias, foi considerada apta para exercer o magistério, carreira com a qual se sentia fortemente inclinada e - fato notável: ter sido a primeira professora do sexo feminino a lecionar na Escola Normal, com apenas 22 anos de idade. Foi seu examinador o professor Tomaz Antonio Carvalho, que era lente só para o sexo masculino.
Data de 27 de junho de 1884 o “Registro de Título da Formação da professora Dona Francisca Clotilde Barbosa Lima para a Cadeira Feminina Superior Anexa à Escola Normal”. Portaria[4] assinada pelo presidente da Província Antonio Pinto Nogueira Acioly.
A primeira turma de mestras do Magistério da Escola Normal Pedro II compôs-se de sete alunas, diplomadas em 12 de dezembro de 1884: Ozória Catunda, Isabel de Oliveira Paiva, Ana Maria de Oliveira, Maria Augusta Amaral, Sinfrônia Medeiros da Silva, Leopoldina Francisca da Frota e Henriqueta de França.
Na Escola Normal Pedro II Francisca Clotilde trabalhou ao lado José de Barcelos[5], Tomáz Pompeu de Sousa Brasil, Justino Domingos da Silva, João Augusto da Frota, João Lopes Ferreira Filho, Joaquim Catunda, Agapito Cícero de Sampaio, Rodolfo Teófilo e Elvira Pinho entre outros.
Na relação de matrícula da Escola Normal para o ano de 1887 entre várias alunas encontram-se os nomes de Maria do Livramento Barreto – professora com atividade na cidade de Tauá – enaltecida pelo sociólogo Joaquim Pimenta em Retalhos do Passado; e o de Ana Facó, conceituada diretora do primeiro Grupo Escolar de Fortaleza. A partir do ano de 1887 Francisca Clotilde passou a fazer parte de Comissão Examinadora.
Concomitantemente ao trabalho de professora Francisca Clotilde colabora na Imprensa. Da revista A Quinzena[6], edição de 15 de março de 1887 recortamos na íntegra o artigo “A Educação moral das crianças na escola” da autoria de Francisca Clotilde com o seguinte teor:

1.     A educação moral é a parte mais importante da missão da escola, porque forma o caráter, purifica os costumes, desenvolve os bons impulsos do coração e tem sobre a educação física e a intelectual uma incontestável superioridade.
2.     Quando a criança passa da familia para a escola, trocando os inocentes brinquedos do lar pelas lides do estudo, é mister que a pessoa que vai desempenhar junto a ela as funções de preceptor guie com desvelo e sabedoria os seus primeiros passos através daquele mundo que lhe é inteiramente desconhecido.
3.     Até ali a tenra criancinha só conheceu a doçura das carícias maternas; mas ao completar 7 anos e às vezes mais cedo é arrancada à ledice de seus gentis folguedos e passa da tutela afetuosa de sua mãe para a do professor – uma entidade que ella não conhece e que por essa razão deve recear e temer.
4.     Desde que o primeiro sorriso desponta nos lábios da criança deve-se principiar a educá-la, disse-o um ilustrado sacerdote, e é à mãe que cumpre encarregar-se da primeira educação do filho e infiltrar-lhe no coração o gérmen do bem e as notas principiais do caráter.
5.     Dizem que Scott recebeu a primeira inclinação para a poesia por escutar as canções de sua mãe. Nas frases do notável moralista Smiles, a infância é como um espelho que no decurso da vida reflete as imagens que primeiro lhe foram apresentadas.
6.     O professor é encarregado de continuar a desenvolver os ensaios de educação feitos pelas crianças no lar, e no desempenho de tal cargo terá muitas vezes que lutar contra pequenos defeitos nascidos na exagerada indulgência de algumas mães, que deixam os filhos seguirem os impulsos da índole e os estouvamentos próprios da idade, sem refletirem nos graves inconvenientes que daí podem resultar.
7.     Se não possuir em alto grau a paciência e a constância, o professor desanimará ante esses obstáculos; mas escudado por essas duas grandes virtudes que lhes devam ornamentar a alma e fortalecê-lo nos momentos de desânimo, chegará a ter bom êxito e conseguirá afastar do coração dos seus pequenos discípulos os maus sentimentos que como plantas daninhas queriam ali deixar raízes.
8.     A época mais importante da vida, como disse Richter é a da infância, que quando a criança começa a modelar-se por aqueles com quem convive, por isso a influencia do primeiro professor excederá sempre a dos outros; portanto os pais devem ser cautelosos na escolha daquele que tem de continuar logo depois deles na educação moral e intelectual de seus filhos e nunca entregá-los a uma pessoa destituída de virtudes e incapaz de dar-lhes bons e salutares exemplos.
9.     Hoje que a escola já não é o pesadelo horroroso que assaltava o sono infantil, nem a prisão sombria onde se encerravam longas horas as louras creancinhas, hoje que a palmatória e os castigos vis e estúpidos foram abolidos como indignos da civilização e do adiamento de nossa sociedade, o menino considera o preceptor como um amigo a quem deve amar e venerar. É, pois, facílimo a este se aproveitar da influência de que goza entre aqueles que educa, para colher ótimos e profícuos resultados na sua nobre missão.
10.  A infância é meiga, propensa à ternura, sincera nas afeições, ávida de carinho. Habituada a ouvir desde o berço a voz melífua que a embalava com ternas canções e a receber suavíssimos beijos dessa providência humana que se chama mãe e que a cerca de desvelos e cuidados por toda parte, deve continuar a ver no preceptor aquele vulto simpático a quem ela se inclinava espontaneamente e com quem se entretinha horas inteiras expandindo seus graciosos pensamentos e satisfazendo sua inocente curiosidade.
11.  O professor deve empregar todos os meios para fazer-se amar pelas crianças. Assim tudo conseguirá delas, porque ninguém resiste ao amor; e uma vez certo da afeição de seus discipulos poderá aperfeiçoar-lhes os bons impulsos e tornar-lhes fáceis os deveres da escola.
12.  A religião e a moral - esses dois elementos indispensáveis para a formação do caráter podem ser infiltrados nos corações infantis da maneira mais simples.
13.  Um passeio à beira-mar, uma manhã de estio, uma flor que desabrocha, uma ave que canta, uma abelha que fabrica mel, uma borboleta que esvoaça podem trazer à criança a idéia do autor dessas cousas que tanto enlevam e arrebatam sua imaginação pueril, e o professor terá ensejo de auxiliar-lhe o espírito de observação, infundindo-lhe ao mesmo tempo o amor às ciências naturais.
14.  Quanto a instrução moral deve ser dada por meio de narrações singelas, historietas ao alcance das inteligências infantis, exercícios orais que deverão ser repetidos para ficarem bem impressos no espírito das crianças, para as quais o melhor compêndio de moral é o exemplo.
15.  Uma palavra, uma pergunta, qual quer incidente da vida escolar pode fornecer ao professor variados temas para essas lições.
16.  O amor dos pais, a união fraterna, o patriotismo, o respeito a velhice, a caridade, a benevolência, o amor à verdade e os demais deveres do aluno para consigo e para com os outros ser-lhe-hão cada vez mais gratos desde que os compreenda e se habitue a cumpri-los, avigorando os bons sentimentos pelo exemplo e conselhos que receber.
17.  O professor deve esforçar-se, sobretudo, para acostumar seus discípulos a fazerem o bem pelo bem e sem o interesse de prêmios que, longe de serem um estímulo, trazem sempre como funestas conseqüências a inveja, o orgulho e o ressentimento.
18.  O menino deve habituar-se a obedecer, a estudar, a ser afável e condescendente com os seus condiscípulos, a enxugar as lágrimas alheias, a repartir o pão com o mendigo, porque são esses os seus deveres e achará na sanção da consciência e melhor recompensa dos esforços que empregou para vencer a má índole, a preguiça, o egoísmo etc.
19.  Enfim, se o professor possuir qualidades morais elevadas e se à vocação juntar uma instrução completa e uma educação aprimorada concorrerá honrosamente para a formação do caráter de seus alunos e contribuirá para o desenvolvimento e progresso de sua pátria realizando a frase do grande Pestalozzi: “O futuro das nações está nas escolas”.

Através deste artigo se pode sentir que a professora Francisca Clotilde era possuidora de um embasamento teórico educacional quando cita: Scott, Smiles, Richter e Pestalozzi.
Segundo Barão de Studart (1919:279), Francisca Clotilde publicou “Lições de Aritmética” no ano de 1889, obra didática direcionada às alunas da Escola Normal Pedro II.
Nesse mesmo ano Francisca Clotilde juntamente com Rodolfo Teófilo e outros professores da Escola Normal Pedro II enviaram solicitação de aumento de salário ao Dr. Virgílio Augusto de Moraes – Inspetor Geral da Instrução Pública. Ao receber o documento, o Inspetor pediu o Parecer[7] do Diretor da Escola, José de Barcelos, que assim se pronunciou: “Pelo Regulamento da Escola Normal esses professores fazem parte da Congregação e como pertencentes ao curso Secundário são incluídos em Folha Especial com os professores do Liceu na Tesouraria Provincial·”.
Quanto à prática pedagógica da professora recorremos a Nice Firmeza[8] In: Luciana Almeida (2006:36): “A madrinha Clotilde nunca usou a palmatória”. Também recorremos a Stela Araújo (1971:247): “Jamais esquecerei as sábias lições de civismo, a sua bondade inigualável, a sua extrema tolerância e suave meiguice. De uma abnegação a toda prova, amiga da juventude e, sobretudo das crianças”.
Defensora do direito da Educação para a Mulher, Francisca Clotilde explicitamente se reporta sobre o tema através do artigo "A Mulher na Família", ao mesmo tempo em que enaltece o papel da mulher na família, chama a atenção da mulher para a necessidade de sua participação em outros setores da sociedade,

É no lar, santuário intimo de seus mais puros afetos que a mulher deve ostentar verdadeiramente a bondade e ternura de seu coração, tornando-se o anjo da guarda do esposo e dos filhos e lhes inspirando o bem e a virtude...
Não quero dizer com isso que ela se abstenha de frequentar a sociedade e que se encerre em casa, o que seria monótono e fastidioso. Deve pelo contrário cultivar boas relações, tendo, porém, o máximo cuidado em suas escolhas, porque assim como uma amiga sincera é um tesouro de raro valor, tambem uma amiga fingida é uma serpente que mais cedo ou mais tarde inocula o veneno de sua alma n’aqueles com quem convive.
Educai, pois, a mulher. Ajuntai aos dotes naturais que a embelezam os encantos de um espírito cultivado, avigorai-lhe os bons sentimentos, tornai enfim digna de educar os filhos e prepará-los para a vida completa, e ela será um diamante de inexcedível valor, a lâmpada maravilhosa a espargir luz em torno do lar, a fonte de onde dimanarão a prosperidade e a ventura de família[9].

Os ideais republicanos, implícitos em seus artigos incomodavam os poderosos e Francisca Clotilde foi demitida da Escola Normal Pedro II. Há entre os historiadores divergências quanto ao ano do fato ocorrido. Mesmo demitida Francisca Clotilde não baixa a cabeça, pelo contrário, funda seu próprio Externato.
Em Raimundo Girão (1956:22), encontramos alusão a esse educandário como uma das casas de ensino que mais se projetaram na crônica educacional de Fortaleza:

O Externato Santa Clotilde, fundado em 15 de janeiro de 1893, pela professora poetisa e romancista Francisca Clotilde, na Praça Marques de Herval, nº 06, hoje Praça José de Alencar. O programa é o mesmo do Curso Anexo à Escola Normal e o horário das 11 às 3 1/2 da tarde.

Bezerra de Menezes, ao fazer referência ao Externato Santa Clotilde diz: “O ensino é misto. Ao curso de 1ª série freqüentam 52 alunos, sendo 46 meninas e seis meninos”.
O artigo a seguir, recortado do jornal A Cidade retrata mais uma vez a fineza da alma da professora:

A Professora – Francisca Clotilde - deixou no magistério do Ceará uma tradição honrosa de competência e dedicação. Foi na Escola Normal que a conheci lecionando no curso anexo, rodeada de discípulas que a adoravam.
Quantas vezes, inquieta e sobressaltada, não desci à sua tenda de trabalho para pedir o auxilio de sua ilustração! Grata lembrança essa dos 18 anos em que eu atacava rudemente a gramática com a mesma sem-cerimonia com que se desfolha uma flor dada por mão importuna. Neste tempo esses lábios sabiam sorrir e uma ciência superficial e van, estupidamente inútil não lhe havia esterilizado o coração.
Ainda me recordo de uma composição que o 1º ano devia fazer - A Tempestade.
Eu e muitas fomos pedir a dona Francisca Clotilde que expurgasse dos erros mais graves os themas; enquanto os corrigia seu sorriso fino e bom não deixava de aflorar. É que tinhamos escrito cousas que fariam admirar ao próprio Dante.
E como a bondade é o apanágio das almas superiores, a Ilustre cearense reune mais esta insigne virtude às suas belas qualidades de amiga, e de escritora[10].

Por problemas pessoais de ordem financeira e social Francisca Clotilde vê-se obrigada a fechar o Externato no decorrer do terceiro ano de funcionamento, e, em 1897 se muda para Redenção e de lá para Baturité. Dessa última cidade é o ex-aluno Mário Linhares, que fala sobre a competência da professora:

Conheci-a como professora pública em Baturité, em minha meninice, aí por 1904. Minha mãe era muito sua amiga, aproximou-nos. Foi ela quem corrigiu os meus primeiros versos e me ensinou os segredos da metrificação. Sua modéstia e a obscura vida de educadora no interior cearense estiolaram-lhe o vigor da inteligência, que não teve a projeção que a faria um dos nomes mais queridos das nossas letras femininas[11].

Mário Linhares tocou num ponto forte da personalidade da professora e escritora Francisca Clotilde, a modéstia. Embora dotada de inteligência, sensibilidade, visão de Mundo para quase um século à frente, era possuidora e defensora desse dom, para quem,

A modéstia é tão necessária à mulher, como o perfume à flor. Tivesse uma rosa os matizes mais lindos, fossem suas pétalas macias como o armarinho, delicadas como um mimo d’arte e lhe faltasse a agradável fragrância, em vez de rainha não passaria de uma flor vulgar. Possuindo a mulher a beleza, a graça, a louçana da idade, os atrativos do saber, as seduções da elegância se não lhe realçarem esses dons os encantos da modéstia, tornar-se-á uma criatura grosseira, vaidosa amiga de ostentação e bem depressa cairá no ridículo de querer ser apreciada, quando lhe falta juntamente o requisito mais belo, de sua graça, o esmalte mais vivo de seu mérito, a irradiação mais esplêndida de sua verdadeira beleza - a beleza d’alma.[12]

Foram também seus alunos em Baturité, o ex-Ministro Dr. Waldemar Falcão[13], o poeta Vasco Benício, autor de Harpejos, 1907, obra prefaciada por Francisca Clotilde. 
Ainda na cidade de Baturité, a professora Francisca Clotilde, vê sua filha Antonieta Clotilde idealizar e fundar a revista “A Estrella”, que teve, a colaboração de Carmem Taumaturgo até o ano de 1908, pois com a mudança da família para Aracati a revista passou a circular dessa cidade e editada em Tipografia, visto que até então era em manuscrito. Com raríssimas exceções a Capa da Revista trás sempre estampado em soneto inédito de Francisca Clotilde.
Sobre essa mudança de Baturité para Aracati mais uma vez recorremos a Stela Araújo

No dia 24 de fevereiro de 1908 ela deixava a cidade de Baturité, embarcando a 4 de março para a cidade de Aracati, aonde chegou a 5 do mesmo mês a convite de pessoas de destaque daquela localidade. Ali chegando, no dia no dia 9 de março, fundou o Externato Santa Clotilde, onde na realidade se educou a elite da juventude da terra dos “bons ares”. Colégio misto – o melhor de toda a zona jaguaribana, de onde, aliás, lhe vieram igualmente alunos de ambos os sexos[14].

Não era comum naquele tempo a existência de colégio misto no interior do Ceará, provavelmente, inexistente, o que se supõe ser mais um pioneirismo de Francisca Clotilde. Segundo Otacílio Colares[15]

Pode-se facilmente calcular quanto de coragem para a Época, revistiu a personalidade dessa mulher extraordinária para instalar e fazer funcionar, idos, em cidade pequena do interior, um colégio em que menino e meninas, sem separações, assistissem ao mesmo tempo, a mesma aula e, ao recreio, convivessem sem maiores embargos, na doce camaradagem da infância.

Temos notícias de que Maria Firmino dos Reis[16], professora pública na cidade de Guimarães, desde 1947, autora do romance “Úrsula”, 1859, revolucionou o estado do Maranhão, fundando naquela cidade uma escola mista gratuita por volta de 1880, quando se aposentou.
Dando notícias do Externato Santa Clotilde em Aracati, a revista A Estrella assim se reporta:

O Externato ‘Santa Clotilde’, sob a direção de D. Francisca Clotilde, encerrou suas aulas, a 28 de novembro, havendo uma sabatina geral sobre todas as matérias do curso. Distinguiram-se: Noemi Soares, Stella Barbosa, Edita de Castro, Nanusinha Rolim, Nilza Guerra Pinto, Cacilda Lopez e Manoel Augusto da Silva.
Obtiveram plenamente: Alice Graça, Julita de Oliveira Lima, Maria Augusta Nunes, Jovenina e Aracy Lima, Maria Caminha, Eulália de Paula Chaves, Maria Dolores e Jose Milton Pontes. A redatora desta Revista, para homenagear o brilhante órgão da imprensa fluminense, dirigido pelo talentoso jornalista Dr. Pacheco Dantas, ofereceu um prêmio intitulado “Gazeta do Norte” que coube à aluna Edita de Castro. Terminado o exame, as meninas recitaram escolhidas poesias, encerrando-se o modesto festival com o Hino do Externato[17].

Francisca Clotilde dedicou mais de cinqüenta anos à Educação do Ceará, seja em Fortaleza, formando professoras primárias na Escola Normal, seja em seu próprio Externato em Fortaleza, Baturité e/ou Aracati. Segundo Araújo (1971:247),

Tendo iniciado o magistério aos 12 de junho de 1882, exerceu-o até os últimos dias de sua vida, pois a 30 de novembro de 1935, deu, pela derradeira vez as férias ao Externato Santa Clotilde, falecendo 8 dias após, aos 73 anos, passando, portanto, mais de 53 anos de profícuo e afanoso lutar em prol de desenvolvimento intelectual da mocidade cearense, sendo a maior parte desse tempo, ou seja, mais de 27 anos, na cidade de Aracati, onde estão, ainda hoje, os seus restos mortais.

Ao ser criada a Academia Feminina de Letras em Fortaleza, a beletrista Alba Valdez escolheu Francisca Clotilde para patronear a Cadeira de Nº 16.
Outra Agremiação Feminina de destaque no Ceará é a Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno – criada por Henriqueta Galeno, em 1919. Segundo Cândida Galeno In: Mulheres do Brasil (1971:301),

Em setembro de 1942, Henriqueta Galeno reorganizou a Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno em moldes mais amplos. Uma das inovações surgidas nesta nova fase foi a instituição de cadeiras patrocinadas por brasileiras que se tivessem destacado tanto no campo da inteligência e da cultura, no da benemerência e do patriotismo. Inicialmente foram propostas para patronas da ALA, Júlia Lopes de Almeida, Auta de Sousa, Nísia Floresta, Ana Néri, Princesa Isabel, Bárbara de Alencar, Ana Facó, Bárbara Heliodora, Anita Garibaldi, Francisca Clotilde, Branca Bilhar, Francisca Júlia e outras.

Na Ala Feminina na Casa de Juvenal Galeno[18], Francisca Clotilde é Patrona da Cadeira que teve como primeira ocupante a aracatiense Maria Stella Barbosa de Araújo, no ano de 1952.
Filgueiras Lima, também ex-aluno de Francisca Clotilde, em Parecer ao Trabalho apresentado por Stela Barbosa de Araújo à Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno, em Fortaleza, no dia 29 de outubro de 1952 - vindo a público no Livro Mulheres do Brasil vol. 1, 1971, se reporta à conferencista e à homenageada, com estas palavras:

A Conferência de Maria Stella Barbosa de Araújo sobre a personalidade intelectual e moral de Francisca Clotilde tem, além de muitos outros méritos, o de fixar no tempo uma admiração que vem da infância, dos primeiros bancos escolares, e continua sempre viva no espírito e no coração da aluna agradecida. Nestes dias de sórdido egoísmo, de esquecimento de que há de mais sagrado no íntimo das almas, o amor, a bondade a gratidão, a generosidade e o altruísmo, não deixa de ser consolador encontrar criaturas que evoquem, com ternura e gratidão, como faz a autora das páginas que estamos analisando, os gestos de carinho e compreensão de uma mestra de sua infância.
Mas o trabalho de Maria Stella Barbosa de Araújo apresenta, igualmente, pelo lado propriamente literário, qualidades e virtudes que lhe dão o direito a um lugar entre os valores femininos que integram e constituem a "Ala Feminina da Casa de Juvenal Galeno". Estilo leve, harmonioso e correto; imagens empregadas com propriedade e graça; senso crítico com bastante agudeza; sensibilidade delicada, amor às coisas do espírito, simpatia humana – eis os traços psicológicos e literários que reportam na bela conferência de Maria Stella Barbosa de Araújo.
Tão esquecida das atuais gerações, a suavíssima poetisa Francisca Clotilde encontro afinal uma biógrafa capaz de levantar o seu nome do pó do olvido fazê-lo admirado pelas novas correntes literárias do Ceará. Nós que a conhecemos na nossa adolescência, quando tivemos de residir por algum tempo na amorável cidade Jaguaribana, a que ela dedicou o melhor de sua fina inteligência e do seu imensurável coração, podemos dizer que nestas páginas evocativas encontramos Francisca Clotilde.
A mestra infatigável, com acento montessoriano em suas atividades educacionais, a poetisa de alma sempre aberta para a harmonia do cosmos e os ritmos da vida; a mulher superior que, colocada embora acima do meio em que viveu, soube amá-lo com enternecido afeto, a doce e santa velhinha que um povo inteiro ouvia, seguia e amava. Nós a vimos agora, de novo, após tantos anos de distância da época em que tivemos a alegria de conhecê-la!  No estudo despretensioso e compreensivo de Maria Stella Barbosa de Araújo, a quem rendemos aqui as nossas sinceras e calorosas homenagens.

Segundo Adísia Sá, “A Ala Feminina pertenceram, sem sombra de dúvidas, as figuras mais representativas da inteligência feminina cearense”.[19]
No decorrer da pesquisa, visitamos a Casa de Juvenal Galeno – tivemos um rápido contato com o bisneto de Juvenal Galeno, Antonio Galeno, que ainda abalado pelo falecimento do Diretor da Casa, Alberto Santiago Galeno, nos forneceu o telefone da presidente da Ala Feminina: Matusahila Santiago, que é patroneada por Leonor Castellano, que teve como primeira ocupante da Cadeira Anahid de Paula Pessoa de Andrade, autora de "Terra de Contrastes", "livro rico em descrições cotidianas do ambiente do sertão, uma denúncia social, um clamor de compaixão pelos injustiçados". A autora do "Terra de Contrastes" é mãe da presidente da Fundação Bernardo Feitosa, na cidade de Tauá: Maria Dolores de Andrade Feitosa.
Em outra ocasião mantivemos contato com outro Membro da Ala, desta vez com Francinete Azevedo, que nos disponibilizou Francisca Clotilde em Mulheres do Brasil. Recentemente, mais uma vez estivemos na Casa de Juvenal Galeno, que passa por uma reforma, apoiada pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará.















A Abolicionista

É preciso fazer da fraqueza da mulher o mais forte dos poderes, a evangelização pelo encanto, a libertação pela magia de sua graça.

José do Patrocínio


Em 1879 foi criada em Fortaleza a “Sociedade Perseverança e Porvir” tendo como expoente José Correia do Amaral e Antonio Cruz Saldanha (de Canindé); da qual partiu a idéia de se criar uma agremiação com caráter abolicionista. Dali surgiu, em 1880, a “Sociedade Cearense Libertadora”, cuja diretoria era composta por João Cordeiro, José Correia do Amaral, Frederico A. Borges, Antonio Bezerra de Menezes e Antonio Martins. Referida Sociedade teve “O Libertador” como órgão de imprensa.
Quando José do Patrocínio esteve em Fortaleza no ano de 1882, hospeda-se no Hotel do Norte e a ele é oferecido um banquete. Do Hotel José do Patrocínio é levado para a Sede da Sociedade Libertadora, na ocasião conheceu Francisco José do Nascimento, prático da barra e mentor dos jangadeiros - famoso por sua frase: "Neste porto não se embarcam mais escravos!”. E na sede da Libertadora se dirigiu a Nascimento:

_    Então, companheiro, o porto está mesmo bloqueado?
Nascimento responde com firmeza:
“Não há força bruta neste mundo que me faça reabrir ao tráfego negreiro!”[20].

Por ocasião dessa visita e aclamado pelos jangadeiros e por todas as forças que representavam o ideal coletivo do momento, Patrocínio comoveu-se com o espetáculo que lhe ofereceu a província do Ceará e conferiu-lhe, solenemente, o título de TERRA DA LUZ, transportando assim para a história, a legenda das suas praias.
Segundo Juvenal Galeno, “faltava uma voz de mulher que despertasse esse invencível exército soltando o primeiro brado[21]”. E a idéia de que fosse criada uma Sociedade das Senhoras Libertadoras, foi materializada no dia 06 de janeiro de 1883 na chácara de José do Amaral, no Bairro Benfica, com a presença de várias senhoras, entre as quais, afirma Raimundo Girão: Maria Tomásia Figueiras Lima, Carolina Cordeiro, Elvira Pinho, Francisca Clotilde Barbosa Lima, Joana Antonia Bezerra e Joaquina Francisca do Nascimento, sendo esta última, a primeira esposa de Francisco José do Nascimento.
Sobre esse acontecido Antonio Martins em discurso por ocasião da Solenidade de Comemoração do Centenário da Abolição dos Escravos no Ceará, afirma,

Na ocasião foi concedida carta de liberdade ao escravo Ricardo, em nome de dona Maria Correia do Amaral, como símbolo de adesão do presidente José Correia do Amaral.
 Entre outros oradores o Dr. Guilherme Studart, como representante do Gabinete de Leitura. Também presente e ocupando a Tribuna Antonio Bezerra de Menezes; na eloqüência dos seus versos terminado o número de oradores escritos, pediu a palavra o Tte Felipe de Araújo Sampaio, como representante da Sociedade Artística Beneficente Conservadora, resumiu sua adesão dando carta de liberdade a sua escrava Joana de 25 anos de idade. Em seguida Luiz Xavier da Silva Castro leu a carta de liberdade da escrava Filomena de 23 anos e 3 filhos[22].

Consideramos uma das mais importantes fases da trajetória da professora Francisca Clotilde, a que devotou às lides abolicionistas. Sua missão de educadora não se limitava apenas à sala de aula, ávida de liberdade, engaja-se no Movimento Abolicionista, tomando parte na Sociedade das Senhoras Libertadoras.
Dentre as vastas mensagens de Francisca Clotilde que marcam a participação da Mulher na luta abolicionista, o poema “A Liberdade”

Somem-se as trevas horríveis
Além desponta uma luz
É a liberdade que surge
Nos horisontes azuis.
Dos lábios puros de um mártir
Nasceu replecta de luz
Trás em seus lábios a paz
É santa... Vem de Jesus!

Tem por preceitos sublimes
O amor, a caridade
É grande, imensa, divina
Esta sublime deidade
A sua voz poderosa
Faz heróis na mocidade.
Todo aquele que a defende
Tem por templo a eternidade.

Ergue o seu braço potente
Sua bandeira hasteou
Lutando com a tirania
Foi heróica e triunfou.
Aos vis, infames negreiros
Seus nobres filhos mostrou
E o cativeiro maldito
Seus pés baqueou.

Qual a Judith da história
Que a seus irmãos libertou
Com um heroismo sublime
A Holofernes matou
Na patria de Tiradentes
A liberdade raiou
É grande, heróica altaneira
O cativeiro esmagou.

No Brasil, pátria de heróis
Não deve haver mais escravos
Não deve esta mancha negra
Tingir a fronte de bravos.
Ei-la oh! moços cearenses
Avante, avante, marchai
De nossa Pátria querida
O cativeiro expulsai.


Coragem ! Marchai sem medo
Unidos, vos dando as mãos
É belo dizer sorrindo:
Todos nós somos irmãos,
Tereis depois do combate
Os louros  verdes da glória
Que os heróis sempre revivem
 No grande livro da história. [23]

Acarape foi o primeiro Município cearense a libertar os escravos, fato ocorrido a 1º de janeiro de 1883, em Festa na Praça da Matriz, com a presença inclusive de José do Patrocínio que assim se reporta:

Para se conhecer da grandeza desta festa, basta vermos à cabeceira da mesa o Parlamento, representado pelo Exmo Sr. Conselheiro Liberato Barroso – o Parlamento é a idéia. À sua direita está a espada vencedora – O Exército Brasileiro, representado na pessoa do insigne General Antonio Tibúrcio Ferreira de Sousa. À sua esquerda a Igreja Católica, que convence das verdades eternas, representada condignamente pelo Revmo. Padre Silveira Guerra. Portanto, senhores, temos aqui três cousas distintas: a idéia que ilumina, a espada que vence e o sacerdote que convence.

A exemplo de Acarape, outros municípios foram libertando seus escravos. No Tauá, tudo correu à conta do devotamento e iniciativa do Dr. José Baltazar Ferreira Facó, Juiz de Direito, do Dr. Joaquim Primeiro Citó de Araújo, Juiz Municipal e do Vigário Padre Alexandre Ferreira Barreto.  E a libertação dos escravos neste Município foi decretada aos 25 de abril de 1883.[24]
Segundo a Revista do Instituto de História do Ceará em 1872 a População de São João do Príncipe (Tauá + Parambu) era de 8.866 habitantes livres e de 838 escravos; Maria Pereira 16.674 livres e 589 escravos; Arneiróz 5.419 livres e 487 escravos; Aracati 16.674 livres e 971 escravos; Cococy 2.753 livres e 387 escravos; Marrecas[25] 3341 livres e 229 escravos; Saboeiro 5.125 livres e 496 escravos.
Vendo alguns documentos referentes à Abolição do Ceará, Geraldo Nobre se refere a Ofício do Presidente da Província Domingos Antonio Rayol, datado de 12 de maio de 1883, congratulando-se com o Juiz de Direito de São João do Príncipe (Tauá) pela libertação dos escravos a 25 de abril de 1883.
A Abolição em Fortaleza, capital da Província do Ceará deu-se em Sessão solene no Plenário da Assembléia aos 24 de maio de 1883, onde foram cantados o Hino Nacional, o Hino da Independência, o Hino da Redenção e o Hino 24 de Maio.  Raimundo Girão (1894:182) afirma: “A oração de Maria Tomásia, pelo calor com que foi pronunciada, valeu por uma convulsão. Francisca Clotilde, recitando poesia sua, não arrancou efeito menor”.
Em 25 de março de 1884, Fortaleza sediou a Festa da Libertação dos Escravos de toda a Província. Naquele dia, a Imprensa, Associações e a “Sociedade das Cearenses Libertadoras” compuseram uma mesa, circundada por 50 moças, vestidas de branco, com faixas referentes a seu Município. Ao todo, cerca de 200 senhoras e senhores da alta sociedade fortalezense comprovavam o ato. As mulheres também participavam no coro e do recital de poesias.
Raimundo Girão[26] descrevendo o momento histórico em que Dr. Sátiro de Oliveira Dias declarou: “A província do Ceará não possui mais escravos”,

É indescritível então o que passou!... Antonio Bezerra, ‘alma de poeta e verdadeiro bardo das campanhas abolicionistas’; Sousa Melo ‘coração sempre aberto às grandes causas’, e Francisca Cotilde recitaram versos próprios; e só as três e meia terminou a delirante solenidade.

A Abolição no Ceará teve repercussão internacional, tanto que, José do Patrocínio, impossibilitado de estar presente, como planejara, festeja mesmo lá na Europa, oferecendo à imprensa francesa, em honra do feito, um banquete de confraternização, no decorrer do qual lê a mensagem de Victor Hugo em resposta à carta que lhe fizera: _ Uma província no Brasil acaba de declarar extinta a escravidão no seu território. Para mim a notícia é extraordinária. Os jornais da Cidade Luz salientam o fato com francas simpatias e as notícias repercutem jubilosamente no Rio de Janeiro e nos demais recantos do Brasil.
E o Ceará pode oferecer a Nação o exemplo do seu 25 de Março. Nélson Werneck Sodré comenta:

O movimento abolicionista, em 1884, alcança vitória de grande repercussão: a província do Ceará extingue o cativeiro em seu território. Resultara da mobilização das camadas populares, os empregados do comércio, os trabalhadores de terra e do mar, os heróicos jangadeiros, que paralisaram o tráfico negreiro interprovincial, recusando-se a transportar escravos, os intelectuais, com o jornal Libertador à frente, como órgão da Sociedade Cearense Libertadora. O acontecimento foi amplamente comentado pela imprensa abolicionista em todo o país e motivou a multiplicação de órgãos que se batiam pela causa libertadora.[27]

Dedicado “Aos Libertadores” Francisca Clotilde escreve “Acróstico” formado pela frase “O CEARÁ É LIVRE”,

O fim é este! Ousados Paladinos

Chegastes ao thabor cheios de glória
E a fronte ides alçar ao som dos hinos
Aos cânticos festivos da vitória
Ressoe o brado augusto da amplidão:
Aqui hoje se estreita um povo irmão!

É livre o Ceará, reina a igualdade:

Livres somos! Triunfa a nova idéia!
Imensa se levanta a liberdade
Vencendo aos belos campos na epopéia
Rompe as brumas com a loura alvorada
E a aurora de Deus surge abrasada[28].

Joaquim Nabuco em exaltação ao Ceará pela Abolição, afirma:

Os brasileiros hão de reconhecer no cearense o precursor da transformação nacional. Esplêndido farol dos nossos argonautas das nossas liberdades! Quanta glória, ó terra predesdinada: ser a primeira entre as vinte irmãs, a Fenix imortal da seca, vítima augusta da incapacidade governamental da cobardia da política e de atrós  ganância dos traficantes. Como és belo Ceará.[29]

Somente quatro anos depois que se dera a Abolição no Ceará, viu-se extinta a escravidão no Brasil. No memorável 13 de maio de 1888, uma Mulher – a Princesa Isabel, assina a Lei da Áurea. Segundo Rubens Falcão (1984:71),

A extinção do elemento servil pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente de tal modo que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente cooperar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido, confio em que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo com o espírito cristão e liberal de nossas instituições.

A Lei de  Nº. 3.353 - “É declarada extinta a escravidão no Brasil”, deu a princesa Isabel cognome de – A Redentora. Segundo Amaral (1971:42),

As aclamações aumentam. De uma sacada, Joaquim Nabuco, eloquente, vibrante, comunica ao povo que está extinta a escravatura no Brasil. A emoção coletiva atinge o apogeu. E Jose do Patrocínio, atira-se aos pés da Redentora, fazendo ouvir-se numa frase imorredoura: _ minha alma sobe de joelhos nestes Paços... D. Isabel, radiante, mostra ao Barão de Cotegipe, de uma das janelas do Paço, o entussiasmo do povo; e sorrindo, pergunta-lhe: _ Barão, não foi acertada a votação desta Lei? Comovido e carinhoso, fitando-a com doçura, respondeu Cotegipe: Redimistes, sim, uma raça; mas perdestes vosso trono. Dantas consolando-a, respondeu:
_ Vossa Alteza fique tranquila, porque tem um trono no coração de cada brasileiro.

Stela Araújo (1971:237), afirma que Francisca Clotilde participou ativamente do Movimento Abolicionista, do começo ao fim:

Francisca Clotilde foi uma das pioneiras do Movimento Libertador do Ceará, tanto que, saindo vitoriosa a causa da Abolição, ela, ao oferecer uma coroa de louros ao Dr. Caio Prado[30], então presidente da Província proferiu a seguinte quadrinha de sua autoria:
Eis o momento sublime
Da liberdade e da glória,
No Mundo inteiro ressoam
Os hinos dessa vitória![31]

No dia 17 de maio de 1888 no Instituto do Ceará, reuniram-se os Sócios: Dr Paulino Nogueira (presidente), Joaquim Catunda, João Perdigão,  Revdo Dr. Frota, Dr. Virgílio de Moraes,  Antonio Augusto, Dr. Guilherme Studart e Antonio Bezerra, aos quais o Presidente propôs:

O Instituto do Ceará não pode ficar indiferente a um tão grande feito, que faz o orgulho de todo coração bem formado, tanto mais quanto eu tenho o prazer de contar entre vós alguns dos mais decididos heróis dessa imortal campanha. Por isso proponho-vos que levantemos a Sessão passemos à Sereníssina Princeza Imperial Regente, o Anjo Tutelar dos cativos, esse telegrama de felicitações:
‘O Instituto do Ceará felicita a Vossa Alteza pelo ato que igualhou todos os brasileiros, levantando a Pátria perante todas as Nações civilizadas’.
De Sua Alteza o Instituto recebeu o seguinte telegrama: Petrópolis, 20 de maio de 1888
INSTITUTO DO CEARÁ
Sua Alteza a Princeza Izabel agradece suas felicitações.
Camarista da Semana
Miranda Reis[32].

Uma das virtudes de Francisca Clotilde, é o dom da gratidão. O soneto “D. Luís D’Orleans”, é dedicado ”Ao coração alanceado de Isabel, a Redentora”,

É vivo o teu lugar, a cintilar na história,
Descendente de reis, o teu manto altaneiro,
Há de sempre guardá-lo, aureolado de glória,
O grande coração do povo brasileiro!

Morreste sem fitar o esplendente cruzeiro
Que nos guia e conduz em bela trajetória,
Mas soubeste exaltar no país estrangeiro,
Por teu gênio imortal, tua augusta memória.

Ninguém pode privar que, num êxtase exaltado,
Em surtos magistrais, condor do pensamento,
Pairasses neste azul sereno e constelado.

Expulsou-te o Brasil; mas, embora proscrito,
O mundo iluminou o teu régio talento
E um trono conquistaste esplêndido infinito[33].

Pelo transcurso de comemoração do vigésimo aniversário da Libertação dos Escravos no Brasil Francisca Clotilde escreve crônica intitulada “A Jangada”,

Em face do mar, contemplando a jangada que desliza garbosa sobre a esteira azulada das águas, volve-se o meu espírito para a gloriosa campanha do abolicionismo na terra que amo estranhado desvelo.
Relembro a quadra feliz em que o ideal da liberdade dominava todos os espíritos, fazendo as lágrimas dos cativos transformar-se em sorrisos de esperança.
Quando o heróico jangadeiro - Dragão do Mar - bradou com sua linguagem sublime: “Aqui não se embarca mais um escravo!” - fechando assim o porto a um dos mais vis comércios que podiam ser realizados entre gente civilizada, um frêmito de entusiasmo agitou aqueles que pugnaram pela causa santa e novos horizontes se dilataram para os miseros filhos da raça precita. Era o arranco generoso de um coração livre que repercutiram em muitos outros, limpando da superficie dos verdes mares a mancha que neles deixara a passagem dos navios negreiros.
Que festas deslumbrantes não comemoram o magno acontecimento!
As emoções tolhiam o verbo potente do Dr. Almino e as suas frases de fogo cristalizaram-se em lágrimas de júbilo como os que numa explosão de entusiasmo lhe correram ao longo das faces a 24 de Maio no palacete da Assembléia, onde em uma apoteose de sorrisos e de flôres se glorificava a Fortaleza pela abolição de seus escravos.
Aquelas noites hibernais tinham luares de alegria, reverbéreos de patriotismo que deslumbravam, quando o préstito libertador percorria as ruas, ostentando-se nas mãos de nossas gentis patrícias, os símbolos dos Municípios que já haviam recebido o beijo da aura civilizadora.
Assim, todas as vezes que sobre o dorso agitado dos mares vejo passar a jangadinha veleira, repassando os episódios da mais bela das campanhas, tenho ufania de ser cearense e sinto desejos de proclamar aos quatro ventos as glórias imorredouras de minha terra[34].






















A Poetisa

Só as grandes almas conseguem passar para a poesia os sentimentos que, sendo seus, pertencem à humanidade.

Marília Sá


Fortaleza tinha vinte mil habitantes, Francisca Clotilde era aluna do Colégio Imaculada Conceição, “sua memória era prodigiosa”, e aos quatorze anos, menina-moça profundamente observadora, sob o impacto da idade primaveril escreveu poema composto de onze quadras, intitulado “Horas de Delírio”,

Sozinho não posso viver descuidado
Sem que minha lira não esteja a cantar
Embora sozinho nas horas noturnas
Sentado ao terreiro no branco luar.
...
Sabei que o poeta cismando deleia
Ao espaço infinito se vai arrojar;
E sua lira do arcanjo com som mavioso.
Procura aos viventes mistérios abafar.[35]

Para Afrânio Coutinho (1984:325) "O poeta-autor trás consigo o mistério. Desabrocha em entusiasmo, ao ser provocado pelo impulso criador, pela vibração e pela música arrebatadora da vida, tendendo a Eterna Harmonia".
Dentro da linha poética Francisca Clotilde aborda os mais variados temas: a Família; a Pátria; o Amor; a Infância; a Amizade; a Saudade; o Céu e o Mar; Paisagens Campestres; A Flora; A Fauna. Elogiar uma Amiga, um Amigo; uma Pessoa Ilustre. Dada a vasta produção celebra Aniversário, Nascimento, até mesmo a Morte. Festeja uma revista ou um jornal.
Os versos de Francisca Clotilde fluem espontâneos, líricos, ao sabor de sua versatilidade, impregnados de ardores e entusiasmos, também de decepções.
Retorna ao tempo milagroso da Infância, e, com saudades da mãe falecida escreve ”À minha Mãe”,

Quero hoje relembrar o meu passado
Este tempo feliz e tão amado
Que outrora frui:
Chorar inda uma vez santos amores
Regar com prantos as fanadas flores
Que em botão colhi.
...

E tu oh! Minha Mãe, que lá no céu,
Já habitas feliz aos pés de Deus
Enquanto eu choro aqui
Prepara para mim entre esses gosos
A paz dos louros cherubins, formosos,
Um lugar junto a ti[36]

Francisca Clotilde dedica o poema “A Minha Irmã” a “M. J. Thaumaturgo”[37].

Oh! Minha irmã, não te lembras,
Daquelas manhãs formosas,
Quando eu ia a sós contigo
No prado colher as rosas?

Mudou-se tudo depressa
Mirraram-se as lindas flores
Foram pra longe de mim.
Meus inocentes amores.
...

Tudo sumiu-se... E deixou
Minha alma em triste orfandade
Somente a louçã saudade
Eu guardo sempre no peito.[38]

Observadora e contemplativa da Infância dos que lhe cercaram foi registrando com muita suavidade, seus sentimentos conforme veremos na quadra recortada do poema  “O Despertar da Criança”, dedicada “A Oscar”

Só uma mãe pudera deste quadro
Compreender a esplêndida poesia:
Ela beijando o filho idolatrado
Que agitando as mãosinhas lhe sorria.[39]

O espírito cristão está implícito na produção literária de Francisca Clotilde, como veremos em “À Irmã de Caridade”, composta em quatro quadras:

Como um anjo risonho do céu
Ela assiste nos leitos da dor
Traz sorrisos ao pobre que sofre
Diz-lhe sempre palavras de amor.

Os prazeres mentidos do mundo
Pelos braços da cruz desprezou
E deixada a família e a pátria
A pobreza e o martírio buscou.

É feliz sob a grossa roupage
No martírio se julga ditosa
Junto ao leito do pobre doente
Vê-la-eis como mãe carinhosa.

Escudada com a fé mais sublime
Passa os dias à sombra da Cruz
Cura as dôres do triste que geme,
Guia a infância na lei de Jesus[40]

A partir daqui, Francisca Clotilde usa, preferencialmente o Soneto como forma de expressar seus sentimentos, à moda de Camões, Fernando Pessoa, Gregório de Matos e Machado de Assis. Num estado de profunda contemplação, saudade e grito componhe “Deserto”,

Esta casa que vês arruinada,
Solitária e deserta no caminho,
Foi outrora de noivos castro ninho,
De ilusões e de risos povoada.

E hoje, como fúnebre morada...
Já não conserva o traço de um carinho,
Nem se ouve o trinar do passarinho
Em seu muro, ao romper da madrugada.

Assim meu coração d’antes repleto
De esperanças e de cândidos amores
É hoje como um túmulo deserto;

E o vergel, onde outrora as lindas cores,
Das rosas de um porvir risonho e certo
Brilharam, tem espinho em vez de flores.[41]

Quando faleceu a Irmã Margarida Bazet, diretora do Colégio Imaculada Conceição, no ano de em 1887, numa prova de Gratidão e Fé, Francisca Clotilde dedicou o soneto que se segue “À Memória da Virtuosa Irmã Margarida Bazet”[42],:

Seus lábios não provaram neste mundo
A taça do prazer que nos seduz,
Despresou a grandeza... Uniu-se à Cruz,
Aos que sofrem votou amor profundo.

Guiou-me a infância, terna e desvelada;
No caminho do bem, tinha carinhos;
Para os prantos das tristes orfanzinhas,
Era tão bôa, meiga e dedicada!

Descansa em paz, Oh! Doce criatura,
O mundo não podia a formosura
De tua alma de santa compreender;

Ele que não é, inconsequente e rude;
Eleva o vicio e abate a sã virtude!
Só entre os anjos poderás viver...

A sensibilidade, a capacidade de colocar-se no lugar do outro, é muito clara em Francisca Clotilde, até mesmo em seres inanimados como se pode ver no soneto “A Árvore”,

Ao contemplá-la, triste emurchecida,
Os galhos nus, de flores despojados,
Sem a seiva que outrora tanta vida
Lhe trazia em renovos delicados;

Ao vê-la assim tão só, tão esquecida,
Tendo gozado dias tão folgados,
Ao som dos passarinhos namorados,
Que nela achavam sombra apeticida.

Aí! Sem querer encontro semelhanças
Entre meus sonhos e minhas esperanças
E a mirrada árvore dolente.

Ela perdeu as folhas verdejantes
Bem como eu as ilusões fragrantes
Que outrora me embalavam docemente.[43]

O soneto a seguir – o primeiro que tivemos a felicidade de ler, nos primeiros passos da pesquisa, aborda a temática do lar, do amor, do sofrimento e de saudade, escrito em 1905, “Ninho Desfeito”.

Inda há pouco cantava docemente,
Num transporte de candidos amores,
O casal de avesinhas inocentes,
A tecer o seu ninho entre as flores.

Embebidas num sonho transparente,
Elas iam saudando os esplendores
Do sol que, despontando sorridente,
Resplendia da serra nos verdores.

Mas ah! Um caçador disapiedado
Perturbou os idílios de noivado
Roubando ao par gentil a felicidade,

Hoje o ninho balouça-se deserto
_ Monumento gentil que lembra incerto
Um mistério de amor e saudade![44]

Boa parte de suas poesias foram inspiradas pelas belezas naturais, como veremos no soneto “Céu e Mar”.

O céu e o mar... Que esplêndidas grandezas
Um bordado de estrelas refulgentes,
Outro, a nos ocultar nas profundezas,
Pérolas finas... Monstros repletos.

Erguendo o olhar contemplo essas belezas
Que se ostentam no azul, resplandescentes,
Atestando os primores, sempre ilesas,
De uma força e bondade onipotentes.

Depois admiro o mar – esse infinito –
De vagas agitado e a sós cogito
Nos mistérios sem fim da imensidade.

Faz-se em meu ser a calma da bonança;
Fitando o céu azul tenho esperança,
Mas ah! Fitando o mar tenho saudade![45]

O amor à Pátria arrancou da pena de F. Clotilde o soneto intitulado: A Bandeira,

Vejo-te erguida, bela e tremulante
Tendo o azul deste céu resplandecente,
E o verde esperançoso e potente
Que mostra a nossa flora sorridente.

Emblema augusto, símbolo potente
Banhada de sol vivo e brilhante,
Relembra o poema amifulgante
A epopéia de feitos retumbante.

Amo-te assim, ereta, majestosa
Beijada pela brisa majestosa,
Querida, venerada dentre mil.

E como áureo, aos hinos da vitória
Ver-te sempre, brilhar cheia de glória,
Auriverde bandeira do Brasil![46]

"Numa revelação de seu patriotismo ardente e o amor que devota à Terra da Luz, a terra que a viu nascer", publicado em 1912, por ocasião das questões rabelistas, e que se intitula: “Ave Ceará” [47]

Ave, Terra da Luz, Ó pátria estremecida,
Como exulta minha alma a proclamar-te a glória,
Teu nome refugastes inscreve-se na história,
És bela, sem rival, no mundo, engrandecida!

A dor te acrisolou a força enaltecida,
Conquistaste a lutar as palmas da vitória
Hoje és livre e de heróis a fúlgida memória
Jamais se apagará e a fama enobrecida.

O sol abrasa e doura os teus mares que anseiam
Em vagas que se irisam, que também se alteiam,
A beijar com ardor teus alvos areiais.

Ei! Terra querida, sempre avante!
Deus te guie no futuro em ramagem brilhante
Nas delícias do bem, nos júbilos da paz!

A Primeira Guerra Mundial findara, e é comemorando o fato que Francisca Clotilde compõe "A PAZ", dedicado "Ao grande espírito do Dr. Eduardo Dias",

Estende sobre nós as asas benfazejas,
Afasta para longe a sanguinária guerra;
És astro protetor, a iluminar a terra,
És anjo divinal nas hórridas pelejas.

Teu sorriso trás bonança e, qual íris, decerra
O negror da procela... abençoada sejas;
Oh! Paz consoladora o nosso bem almejas,
Estrela vesperal que doce luz encerra.

Vem os homens unir, vem espalhar o amor,
Tem pena do sofrer das mães em ansiedade,
De ternos corações mova-te a inerente dor;

Temos sede de ti, lenitiva a orfandade,
Com eflúvios do céu, num gesto animador,
Lembra o santo dever, as leis da caridade![48]

Francisca Clotilde saúda os leitores da Revista “A Estrella”, através das quatro quadras intitulada de “O Ano Bom”.

Sou o dia auspicioso
Em toda a humanidade
Num concerto harmonioso
Saúda a paz, a igualdade.

E no mais alegre tom,
Pronunciando mil bens,
Dá festivos parabéns
No rocicler de Ano Bom.

Na nova era que irradia
Enche de amor e esperanças
Os corações em porfia,
De moços e de crianças.

Com vibrações de prazer
Mais vivo e mais verdadeiro
Eis-los todos a dizer:
Salve o dia alvissareiro! [49]

O sofrimento dos outros chama a atenção da poetisa, numa demonstração de sensibilidade da qual Francisca Clotilde era possuidora, é o que veremos “No Calvário” – dedicado “Ao Revmo. Frei Marcelino de Mornico”

Ergue-se a cruz no monte! As sombras lutulentas
De um eclipse de sol a terra toda envolvem;
Tudo sofre e se agita, as pedras se revolvem,
E mortuárias visões, das tumbas surgem lentas.

Aqui e ali se veem criaturas malicentas
Que mesmo na aflição os seus olhares volvem
Para o Mártir divino, a blasfemar cruentas
E outra há que a adorá-lo, enfim já se resolveram.

Um gorjeio não se ouve... A turba emudecida
Em face da tragédia horrorosa, deicida.
Desvenda o mundo inteiro, o mais triste cenário.

Somente o amor de mãe, inquebrantável, forte,
Não vacila, e resiste ao suplício, a morte.
Brilhando como o céu, nas trevas do calvário.[50]

Por ocasião da seca do ano de 1915, canta a amargura do irmão flagelado, contextualizando o Êxodo Rural através do soneto “Para o Ignoto”, dedicado ao “Ao ilustre Cel. Probo Câmara[51]”,

Eles têm que partir!... A caravana triste
Despede-se a chorar de doce abrigo,
No campo nem sequer uma florzinha existe,
O flagelo varreu todo o esplendor antigo!

A casinha, esta sim, tão alva inda persiste,
Inda guarda o verdor o juazeiro amigo;
Mas, lá longe, na estrada, o horror, o desabrigo.
A saudade cruel a que ninguém resiste!

E eles têm de partir! O rossicler do dia
Já brilhou no horizonte em clarão de agonia,
A lembrar-lhe o exílio em um país remoto.

Olham mais uma vez a casa... O céu azul
E se vai chorar o triste bando exul,
Em procura do Além, em busca do Ignoto.[52]

“Ao espírito radiante de Carlyle Martins”, Francisca Clotilde dedica o soneto “Êxtase”,

Com as asas da Fé transporto-me às alturas
E sondo a profundidade enorme dos mistérios,
Vejo a estrela brilhar nos pássaros etéreos
E me enlevo a fitar as lúcidas planuras.

Ai! Que clarões divulgo!... Nesses mundos aéreos
Não se sente de leve as trevas e amarguras,
Deste viver terreno, entre ilusões e agruras,
Quem me dera fugir aos espaços siderais!

Eu te bendigo, oh! Fé que me levas assim,
Bem longe das misérias... Na amplidão sem fim
Onde reina a beleza esplêndida dos céus;

Feliz de quem se sente assim arrebatado
Num êxtase de amor, ao trono constelado,
Bem perto do infinito e bem junto de Deus![53]

A Seca e o Inverno são temas exaltados na poesia de Francisca Clotilde, numa prova de suas preocupações com um problema social secular que persegue nosso Estado, o soneto “O Inverno”, é dedicado “Para a dileta priminha Margarida Arruda”

Em vez do belo azul quisera agora,
Fitar por esses céus nuvens sombrias
Prenunciando as fartas alegrias
Da chuva que nos salva e revigora.

Quisera ver sorrir no campo a flora
Revestida de galas e louçanias,
E, vibrante, escutar as harmonias,
Da passarada, pelo espaço afora...

Que venha o inverno dar conforto e abrigo
Aos povos que, a sofrer amargamente,
Deixaram de seu lar o pouso amigo...

A fome causa horror... A sede aterra;
Mandai-nos oh! Senhor, bondosamente,
Vossas bençãos de Pai sobre a terra! [54]

A autenticidade de Francisca Clotilde arrebanhou para junto de si, amizades preciosas; entre as citadas e as que estão por vir Francisca Clotilde dedica “A Garça” - “Ao coração primaveril de Rubens Bráulio[55]“,

Ei-la triste a mirar as águas irrequietas,
Parecendo evocar em visões luminosas
O passado de amor, as estâncias diletas,
Outro céu bem distante, outras margens formosas!

Exilada talvez das paragens ditosas,
Onde outrora gozou de alegria discretas,
Quer as asas de neve, essas asas plumosas,
Espalmar pelo azul e voar como as setas.

Mas coitada! Não pode atingir as alturas,
Pois alguém a privou de fruir as venturas
Do inocente viver, da feliz liberdade.

Como a garça, tristonha, eu me sinto finar,
E não posso fugir... E não posso voar
Tenho aqui de carpir a tristeza, a saudade[56].

Boa parte de sonetos da autoria de Francisca Clotilde predispõe ao idílio campestre como é o caso de “No sossego do campo”, dedicado “A alma radiosa de Dulce Nair”,

Eis-me longe da praça! Em plena alacridade
Do campo aberto em flor, a sentir a poesia,
Como é lindo este azul e que bela irradia
A luz que vem do céu, que vem da imensidade!

Aqui ouço da linfa a grata suavidade.
Num murmúrio de leve, ouço ali a melodia,
Da mimosa avesinha a cantar que anuncia
O doce  rocicler... A vida... A claridade...

Não me vem à lembrança à ventura faláz,
A atração da cidade eu prefiro esta paz
Que me inspira e conforta e reanima na luta;

No sossego do campo é mais doce a ventura,
Mais nitente o luar, sopra a brisa mais pura,
Deus parece mais perto e melhor nos escuta! [57]

É possível ver o mesmo sentimento em ”Visão Campesina[58]”, dedicado “À bondosa dona Clara de Sá Leitão”,

Que mimosa casinha emoldurada
De baunilhas em flor! Um doce ninho...
Murmureja um regato, ali pertinho,
Ri-se a campina verde e perfumada.

Não lhe falta o cantar de passarinho,
Numa orquestra de amor bem afinada,
Que me faz esquecer o torvelinho
Dessa vida de praça emocionada.

O céu sereno e azul... Fagueira a brisa,
Aqui tudo me enleva e, alegre sinto,
Que o tempo mansamente se desliza.

Uma casinha só! Qualquer cidade
Por ela não trocára... Em seu recinto
Gosei do bem, a paz, a suavidade!

Francisca Clotilde canta a "Independência do Brasil", através do soneto: "Sete de Setembro", cujo soneto é dedicado "Ao Ilustre Dr. Boanerges Facó",

Esplende o sol... O Ypiranga desliza
E nele se reflete o azul sereno,
Lindo... A desdobrar-se ameno,
De luz e beleza se matiza.

Independência ou Morte! Concretiza.
O brado augusto, vivo como um treno,
O gesto nobre, o decantado aceno,
Do Monarca que ali se sublima...

E o grito vibra além... Há manifestas
Expressões as mais justas,
Um delírio de usos e festas.

E a grande terra, erguida na História,
Aureolada de estrelas refulgentes,
Sente envolvê-la a sagração da glória.[59]

Pela amostra aqui exposta é possível notar que a poesia de Francisca Clotilde é uma poesia sentida e vivida, algo que nos embala como um canto de ternura. Otacílio Colares (1993) analisando a produção poética de Francisca Clotilde afirma: 

Realmente, Francisca Clotilde, pelo festejado do seu nome, como poeta de alto vôo, e rara inspiração, bem poderia haver deixado um volume ao menos sabido que ela de quase menina, afizera-se ao trato com a arte de versejar, de modo especial ao soneto, que em forma sempre lhe saia fácil e escorrateiramente. (p. 61).
Custa crer, pela lógica, não haja a poetisa, de modo próprio, enfaixado em livro a grande cópia de seus poemas, sobretudo no campo do soneto, cuja técnica ela dominou soberana e seguramente. (p. 68).
Francisca Clotilde, nome aureolado de uma consagração, que chegou mesmo à popularidade de um Juvenal Galeno ou de um padre Antonio Tomaz. (p.78).

Sobre o poeta mais lido por brasileiras - Casimiro de Abreu[60],  e sua morte prematura, Francisca Clotilde diz:

Era uma estrella
De luz peregrina e doce
Cujo brilhar resplandecente
Ah! Bem depressa se apagar!
Mas não se apagou o rastro
Que deixou na trajetória
Pois com o fulgor de um astro
Brilha seu nome na história".

Um fato interessante - as homenagens feitas à poetisa Francisca Clotilde por seus colegas poetas. Antonio Sales, por exemplo, dedicou “À Exma. Sra. Dona Francisca Clotilde Barbosa Lima”, oito quadras de sua autoria  em O Libertador, edição de 19 de outubro de 1887. Aqui transcrevemos, “Singelas Saudações” dedicado “À D. Francisca Clotilde, pelo 19 de outubro”, homenagem do poeta Carlyle Martins[61],

Saudar venho boa amiga,
Esta data esplendorosa
Receba com mil flores,
É festiva e assaz ditosa,
Pois relembra o teu natal,
Salve data auspiciosa.

Que durante muitos anos,
Festejamos esse dia
E que seja aureolado
Pelas bençãos de Maria,
Salve, salve o dezenove,
Que nos trás doce alegria!

Que vivas sempre feliz
Junto a lira predileta
Aos caminhos de Aristóteles[62]
E de Ângela[63] dilecta
Fitando a Estrellinha
Da distinta Antonietta[64].

Sendo assim, é preciso que se faça e o quanto antes o resgate do que for possível dos sonetos de Francisca Clotilde esparsos em jornais e revistas e que se publique um livro em Memória através de Instituições Culturais existentes no Estado do Ceará.




















A Jornalista

Seu nome esteve em evidência, a partir da última década do século passado, já nas páginas de jornal e revista. Um ativo e atrevido jornalismo ideológico e político.

Otacílio Colares


A história de jornais e jornalistas brasileiros é uma linha atravancada que reflete as grandes dificuldades, que marcaram o seu desenvolvimento. A Imprensa brasileira surgiu somente na primeira década do século XIX. Dantas, em Retrato do Brasil, (1984:210) informa,

Com a desorganizada fuga da corte portuguesa para o Brasil, veio talvez por engano, no porão de um navio, um prelo adquirido pela administração portuguesa para a Secretaria da Guerra. Foi usado por Dom João para imprimir a Gazeta do Rio de Janeiro. O nosso jornal foi, portanto, um órgão da Corte, ocupado em agradar o rei e em omitir a realidade.

No acirrado confronto entre abolicionistas e liberais, já no reinado de Pedro I, os papéis e folhetos surgiram às dezenas, na linha de oposição ao Príncipe.
Segundo Cruz Filho, a Imprensa cearense teve o seu início com a publicação do Diário do Governo do Ceará, aparecido em Fortaleza a 1º de abril de 1824, sob a direção do padre Gonçalo Ignácio de Loyola Albuqquerque e Mello Mororó, um dos mártires da malograda revolução republicana daquela Época.
Geraldo Nobre em Introdução a História do Jornalismo (1975:191) afirma ser Francisca Clotilde Barbosa Lima, “o primeiro grande vulto feminino do jornalismo cearense e, ademais, esposa e mãe de jornalistas”.
Falando das atividades jornalísticas de Francisca Clotilde, Stela Araújo (1971:237), afirma:

Foi figura proeminente do “Clube Literário”, do qual fizeram parte: Farias Brito, Justiniano de Serpa, Antonio Bezerra, Abel Garcia, Oliveira Paiva, Juvenal Galeno e outros. O “Clube Literário” manteve na imprensa um órgão intitulado “A Quinzena”, onde Francisca Clotilde publicou vários sonetos repassados de lirismo e cheios de beleza.

Com o intuito de conferir o dado fornecido por Stela Araújo, e, de posse de exemplar de Fac-similar de A Quinzena (1887-1888 - oito páginas), constamos que nesse Órgão de Imprensa Francisca Clotilde teve publicado os seguintes Sonetos: Deserto, Mariposa, Beleza Funesta e Homenagem; o poema: Mãe Dolorosa; também os Contos: Brincar com Cinzas, A saudade de um Anjo, A Enjeitada e Meu Amor; além dos artigos: A Educação moral das crianças na Escola e A Mulher na Família; e por último, uma apologia a Victor Hugo.
O Clube Literário foi fundado em Fortaleza aos 15 de novembro de 1886, do qual fizeram parte, como fundadores, João Lopes, Antonio Bezerra, Antonio Martins, Oliveira Paiva, José Olímpio, Abel Garcia, Jose de Barcelos. Augusto Xavier de Castro, Manuel Pereira, Juvenal Galeno, Justiniano de Serpa, Paulino Nogueira, Farias Brito, Rodolfo Teófilo, Júlio César, Alfredo Bomilicar, Antonio Sales, Francisca Clotilde e Ana Nogueira.
A Sociedade Cearense Libertadora fundada em Fortaleza no dia 1º de janeiro de 1881, com caráter Abolicionista foi um acontecimento amplamente comentado pela Imprensa Abolicionista em todo o país. Teve como Órgão de Imprensa o jornal “O Libertador”, que tinha como lema: “Ama o teu próximo como a ti mesmo – Jesus”. Francisca Clotilde – “a mimosa filha de Moema generosa e santa seiva do coração cearense” – colabora no Libertador sob o pseudônimo de Jane Davy”.
Em outro órgão de Imprensa da Época, “Gazeta do Norte”, Francisca Clotilde aparece ao lado de Tomáz Pompeu, Júlio César, João Lopes, José de Barcelos, Gil Amora, Dr. José Baltazar Ferreira Facó e Ulisses Bezerra (da vizinha cidade de Arneiróz).
No ano de 1884 – de grandes festividades pela Abolição – Francisca Clotilde teve participação na revista “Contemporânea”, dirigida por Marques de Carvalho e Múcio Jarvot; ao lado de Justiniano de Serpa, Juvenal e Marques de Carvalho. Referida revista era agenciada no Brasil, nos estados do Amazonas e Rio de Janeiro, e ainda em Portugal e na França.
A primeira edição da Contemporânea é dedicada “às famílias cearenses" e é datada de 20 de novembro de 1884. A redação e direção de Marques de Carvalho e Mucio Javrol, com a colaboração da distinta cearense Exma. Sra. D. Francisca Clotilde Barbosa Lima e outros notáveis escritores nacionais”. Da autoria de Francisca Clotilde, um poema - “Os olhos d’ela” - e um romance inacabado - “Esther”.
O Contemporâneo de Lisboa, no seu número 144 de 1884 se reporta ao órgão,

A Revista Contemporânea, dedicada às famílias cearenses, compreendendo literatura, ciências, artes, filosofia, viagens, etc. É o número 2 deste periódico que temos presente. Insere vários escritos em prosa e verso, firmados por Múcio Jarvot, J. de Serpa, Márcio, Sérvio, Mário, D. Clotilde Lima, Carlos Marcial, Alphonso Lévy, Juvenal e Marques de Carvalho. Uma pleiade de moços instruídos e trabalhadores, que se ilustram nas lides honrosas da imprensa. Afigura-se esta Revista uma publicação muito esperançosa, à qual profetizamos e desejamos largo e próspero futuro.[65]

Colaboradora do jornal, O Domingo; “folha literária, crítica e científica” surgido em Fortaleza em 1888, tendo como redator Jorge Miranda, “o mais velho dos irmãos Miranda, rapazes de talento que residiam em Baturité”. No Domingo F. Clotilde aparece ao lado de figuras de projeção como Rodolfo Teófilo, Clóvis Beviláqua, Juvenal Galeno, Antonio Bezerra, Farias Brito, Justiniano de Serpa, Antonio Martins, Martinho Rodrigues e outros.
Co-redatora de A Evolução jornal científico e literário fundado em 1888, por Antonio Duarte Bezerra e Fabrício de Barros. No artigo de apresentação do jornal supra citado, ela afirma: “A evolução é a palavra do Século, deve, portanto, ser a bússola do jornalista criterioso”.
Em 05 de abril de 1891, surge em fortaleza “O Combate”, órgão de Imprensa do Partido Operário de Fortaleza, dirigido por Anderson Ferro e Antonio Duarte Bezerra, congregando artistas, operários e trabalhadores; teve como colaboradores Tiago Ribas, Tibúrcio de Oliveira, Gomes de Matos e Francisca Clotilde.
Colaborou também no Ceará Ilustrado, surgido a 20 de janeiro de 1894, aparecendo trabalhos seus em meio aos de Álvaro Martins, Sabino Batista, Viana de Carvalho, Juvino Guedes, Alves de Lima, Pedro Muriz, Rodrigues de Carvalho e outros.
 Em A República Francisca Clotilde aparece entre Barão de Studart, Tomáz Pompeu, Joaquim Catunda, Antonio Bezerra de Menezes e Júlio César Fonseca. A República de 03 de dezembro de 1894 noticia uma nova sessão, nos termos: “Reuniu-se ontem essa conhecida e futurosa sociedade de talentosos rapazes das letras no salão nobre do Clube Euterpe. A sessão ocorreu animadíssima e fértil. Foram lidos ainda diversos trabalhos, Fugindo do passado (conto) e Madalena (versos) de Francisca Clotilde, e;  Proezas de um cabra macho, de Fernando Weyne".
Assídua colaboradora no Almanack do Ceará fundado em 1895, por João Eduardo Torres Câmara. Desde o seu número de 1897 contém uma parte literária, e nesse mesmo número trás a poesia “A Árvore” e o conto – “Noivo Pródigo”, de F. Clotilde. Posteriormente, o soneto “A Árvore” (1897), resgatado em "Sonetos Cearenses", de Hugo Victor[66].
O Almanach dos Municípios do Ceará, para o ano de 1908, se reportando ao Município de Baturité, diz que:

Na localidade dedicam-se às letras Dª. Francisca Clotilde, Vasco Furtado, Cândido Taumaturgo e o clínico Dr. José Cabral. Francisca Clotilde colabora com seus bonitos ‘Postais’ e o delicado soneto ‘Ao Coração’. Muito apreciamos os trabalhos de tão distinta escritora cearense, assim desejamos que seja colaboradora constante.

Como andava a inspiração de Francisca Clotilde nesse tempo? É o que veremos no soneto “Coração” (p. 121):
                         
Porque suspiras, coração dolorido?
Ermo de afetos, cheio de amargura!
Fugiu de ti a plácida ventura!
Eis-te sozinho, a suspirar descrido!

Não mais no mundo pérfido, iludido,
Serás de afetos vãos da criatura,
Brilho em teu céu uma esperança pura,
E Deus que atenta o ser desiludido!

Busca o conforto místico, que vem
Trazer-te a luz, que dimanou do bem,
E que fulgiu nos braços de uma cruz;

Despreza os bens efêmeros da terra,
Busca o tesouro que somente encerra:
O amor perfeito que sonhou Jesus.

Colaborou também no Ceará Intelectual, e na Revista Escolar, ambas  dirigidas pelo professor Joaquim da Costa Nogueira. Nessas mesmas revistas também colaborava a escritora Alba Valdez.
É possível encontrar contribuições de Francisca Clotilde em “A Cidade”, órgão de imprensa na cidade de Sobral; “A Ordem”, da cidade de Baturité; O Lyrio, de Recife (1902-1904); A Família, São Paulo (1881-1883) / Rio de Janeiro (1883-1897), de Josefina Álvares de Azevedo; A Violeta, do Rio de Janeiro, de Irene Marinho; A Mensageira (São Paulo -1897-1900); O Bathel, da Paraíba, de Cordélia Sylvia; Paladino, do Acre, de Rubens Thaumaturgo entre outras.
Izabel Brandão em estudo realizado sobre a escritora alagoana Maria Lúcia Duarte In: Muzart (2004: 241), nos dá notícia da participação de Francisca Clotilde na Imprensa alagoana:

O Almanach Literário das Senhoras Alagoanas[67] para 1889 teve entre suas colaboradoras muitas escritoras, algumas alagoanas, outras de outros estados brasileiros. Algumas delas conhecidas nacionalmente, tais como Francisca Isadora, Francisca Clotilde, Inês Sabino, entre outras, que contribuíram com textos em prosa e verso... Houve também inúmeros colaboradores homens, tais como Artur Azevedo e Fagundes Varela.

Em 1906, um grupo de jovens, encabeçado por Joaquim Pimenta fundou a Revista FORTALEZA. Ao receber um exemplar da referida revista, Francisca Clotilde cantou o poema intitulado: CARTA ABERTA

Com que doce alacridade
Eu recebi a revista
Nova e brilhante conquista
Dessa altiva mocidade!

Sinto tão grande ufania
Ao ver assim exaltada
A minha terra adorada
Pela vossa galhardia!

Moços deixem que o talento
Se expanda em tua glória,
Nas linhas do pensamento
É quase certo a vitória.

Como é sublime a campanha
Que ides empreender
Tendo coragem tamanha
Que eis de certo vencer.

Tendo por norte o dever
Encontrareis no estudo
O mais poderoso escudo
Para mil louros colher.

A revista FORTALEZA circulou de 06 de outubro de 1906 até fevereiro de 1908. Assim como Francisca Clotilde, Joaquim Pimenta é tauaense revolucionário, que aquela época cursava os últimos meses do seu primeiro ano do Curso de Direito em Fortaleza e, por perseguições políticas foi obrigado a exilar-se em Recife. Segundo Dolor Barreira ,

O corpo de colaboradores da “Fortaleza” era o quanto possível naquela época recomendável e seleto. Aí publicaram versos: Beni de Carvalho, Júlio Marcial, Areal Souto, Juvenal Galeno, Junqueira Guarani, Josias  Goiania, Liberato Nogueira, Teles de Sousa, Rodolfo Teófilo, Padre Antonio Tomáz, Padre Valdivino Nogueira, Cruz Filho, Sebastião Cavalcante, Targino Filho, Irineu Filho, Juvêncio Barrozo, Rodrigues de Andrade, Eutínio Lopes, Francisca Clotilde e Rosália Sandoval.[68]

O coração de Francisca Clotilde pulsou forte no dia 28 de outubro de 1906, ainda na cidade de Baturité, quando sua filha Antonieta Clotilde juntamente com a jovem Carmem Thaumaturgo fundaram a revista “A Estrella”, que funcionou naquela cidade até 1908. Com a mudança da Família para Aracati a revista passou a ser editada pela Tipografia Jaguaribe com colaboradores e assinantes em vários estados brasileiros. Nas edições do mês de outubro encontramos inúmeras congratulações a redatora Antonietta Clotilde e a Francisca Clotilde. Por ocasião do 3º aniversário da revista, ano de 1909, Delminda Silveira, uma correspondente de Florianópolis, em Santa Catarina escreve:

Três anos! Que bela idade!
É uma linda criança!
Dileta da mocidade
Meiga, risonha esperança...

Na edição de outubro de 1918, a mesma correspondente escreve:

Doze anos - bela idade!
Ela um bebê já não é!
Tem crescido na verdade
Em beleza, graça e fé...

Na edição de outubro de 1921, mais uma vez Delminda Silveira, homenageia “À Estrella”,

Ó graciosa, rutilante, bela,
Gentil amada e carinhosa Estrella!
...
Para orgulho do nome feminil
E para lustre e glória do Brasil!

Dolor Barreira[69] (1951:259), em a História da Literatura Cearense, assim se reporta sobre a revista A Estrella,

Seria sem dúvida rematada injustiça, numa história da literatura cearense deixar de referir-nos a essa revista embora de atuação literária menos ampla, publicada que foi no interior do Estado. A princípio em Baturité, em 28 de outubro de 1906, e depois em Aracati, em 1908.
Do resto pela duração que teve, pois afrontando a hostilidade do meio, permaneceu na estacada por mais de 15 anos. Pela intrepidez com que se constitui exceção à brevidade ordinária das nossas publicações desse gênero, pelo esforço e inteligência com que procurou reunir e efetivamente reuniu na suas modestas colunas melhores elementos de colaboração. A Estrella não só faz jus a uma menção nas páginas desta História, mas merece com o nosso mais entusiástico aplauso, uma análise, ainda que rápida, do que ela foi e do que foram as suas atividades no mundo das letras. (1951:259).
As páginas do bravo jornalsinho, como o chamou o Barão de Sturdart, ainda deram agasalho A Seca (soneto) e No Outono (poesia), de Antonio de Castro; aos sonetos Saudade, Visão de Artista, A jangada, Olhando o mar, Ânsia de glória e A Esfinge, de Carlyle Martins; aos sonetos A fé, Ingratidão, Dia de Luz, Mãe dos Pecadores, Solilóquio de um triste, No campo e Fores e Espinhos, de Ramos Neto; aos sonetos O Sonho de Alcione, Garças e Albatrozzes, de Ulisses Castelo Branco; aos sonetos Dia e Velho mar e De volta à poesia de Maria Sampaio; A Um Sino, de Eduardo Dias.
A Estrella, quando mais não fosse, alimentou e trouxe sempre vivo o fogo sagrado das letras nos lugares onde foi publicado (Baturité e Aracati) e por onde circulou, servindo, ao mesmo tempo, a sua pertinácia, a sua coragem, a sua fé, na luta contra a adversidade, de sugestivo exemplo às nossas revistas literárias que de ordinário, surgem para logo em seguida desaparecerem, durando como as rosas de Malherbe __ o espaço de uma manhã (Idem: p. 265).

Stela Araújo (1971:239), dando notícias da revista A Estrella, da sua fundação, e dos correspondentes espalhados pelo Brasil afora,

No dia 28 de outubro de 1906, ainda na cidade de Baturité, iniciou a publicação da brilhante revista “A Estrella”, que teve duração ininterrupta até o ano de 1921, quando por forças das circunstâncias deixou de circular. De publicação mensal, bem concatenada com material de primeira qualidade, trabalhos selecionados e com farta colaboração, “A Estrella” brilhou nos céus intelectuais do Ceará, espalhando os seus raios luminosos por todos os Estados do Brasil. Era uma revista que deliciava imensamente o sexo feminino, se bem que tivesse vastos admiradores entre o sexo forte.
Teve ótimos colaboradores, entre tantos,
Leodegária de Jesus e Celso Meira de Vasconselos, MG;
Cordélia Silva, da Paraíba;
Julieta Marinho, do Rio de Janeiro;
Auta de Sousa e Rosália Sandoval, do Rio Grande do Norte;
Dr.Beni Carvalho, Andrade Furtado, Carlyle Martins, Antonio de Castro, do Ceará;
Dr. Eduardo Dias, médico baiano residindo em Aracati e muitos outros que seria difícil enumerar [70].

Otacílio Colares (1993:79), fazendo uma análise do que foi “A Estrella” o faz de modo saudoso e emocionado,

Nós, na primeira infância, nos habituamos a ter o nome de Francisca Clotilde como o de um nome tutelar. Temos guardados na lembrança, de modo mais vivo e indestrutível, dispostos, bem arrumados, frutos do cuidado de nossa estremecida e sempre lembrada mãe, Izabel dos Santos Colares, exemplares e mais exemplares de A Estrella, da qual, vez que outra, apareciam como colaboradoras, nossas jamais esquecidas irmãs mais velhas, ambas muito jovens, formadas professoras pela Escola Normal do Estado do Ceará, Maria de Lourdes e Edwirges Colares. Daí a juvenil amizade que ia nos prender ao poeta e professor Aristóteles Bezerra, assíduo colaborador de A Estrella.

Na Biblioteca Pública Menezes Pimentel tivemos acesso ao Micro-filme da Revista “A Estrella”, edições de janeiro de 1908 a dezembro de 1910 e de outubro de 1916 a setembro de 1921, totalizando 1243 páginas. Resultado de Projeto encabeçado pela pesquisadora Cecília Maria Cunha. Na primeira página da revista, quase sempre um Soneto inédito de Francisca Clotilde. Entre várias colaboradoras, Irene Marinho – do Rio de Janeiro, envia o soneto “O Luar”, dedicado a Francisca Clotilde.

Oh! Luar formoso de prata,
Que das louçanias às flores
Que presenteias a cintilante cascata
Sonho ideal dos mais belos amores.

Quero cantar-te uma terna volátil
Risonha, bela, excelso luar,
Envolvido num manto de prata
Nestes versos te quero cantar.

Oh! Doce lenitivo para o viajante
Que de sua pátria distante,
Idílios formosos vens relembrar.

Bálsamo bendito e sublime
Que a mágoa e a dor bello redime
De prata, oh! Radiante luar[71].

Na edição que dispomos (out/nov/dez de 1921), as três primeiras páginas trazem um jogral “O Bailado das Artes”, onde Francisca Clotilde classifica as principais artes como sendo: a Poesia, a Música, a Pintura, a Escultura, a Dança, a Equitação, a Agricultura e a Imprensa. Referida peça foi apresentada no Tricy Club de Tauá no dia 17 de março de 2007 por ocasião de Solenidade de Recepção de Novos Membros da Academia Tauaense de Letras: Antonio Viana, Carlos Gomes e Dimas Macêdo.
Nessa mesma edição, encontram-se vários colaboradores. Do Ceará: Ipu, Sé Coelho; Baturité, Rosinha Ferreira, Sarah Rosita, Valmira Barbosa, Dinorah Rego, Ursulina Furtado, Stella e Carmem Taumaturgo; do Crato, Helena Brígido dos Santos; Itapipoca, Rvedo Pe. José Saraiva; Beberibe, Revdo Pe. Paulino Nogueira; Limoeiro Rvedo Acelino Viana. Do Rio de Janeiro: Hugo Motta; de Manaus: Maria Lucílla do Monte Justa entre outros.
Como marco de comemoração do Centenário de “A Estrella” o Museu do Ceará lançou livro de autoria da jornalista Luciana Andrade de Almeida, intitulado A ESTRELLA: Francisca Clotilde e literatura feminina em revista no Ceará (1906-1921). Na oportunidade, conhecemos mais um neto de Francisca Clotilde, Senhor Antonio Fernando; as bisnetas Ângela, Rosângela, Rosemary, Regina Helena algumas amigas como por exemplo, Simone. Presentes tambem ao evento o diretor do Museu, Francisco Régis Lopes Ramos, o pesquisador Gilmar de Carvalho, a historiadora Adelaide Gonçalves, vários acadêmicos de Jornalismo, como por exemplo, Pérola Custódio, e outras personalidades de Ceará, tais como Edmilson Barbosa, biógrafo de Joaquim Pimenta. A emoção desta Obra foi ver estampado o nome uma colaboradora e correspondente da revista A Estrella da cidade de Tauá: Josefina Meireles.  
Na cidade de Aracati o Centenário de “A Estrella” foi comemorado com muito brilho numa noite cultural organizada pela Associação Cultural Solar das Clotildes e amigos da Cultura do Aracati. O fato ocorreu no Auditório Emília de Freitas com a presença de 300 convidados, recepcionados pela Banda de Música Municipal, e com apresentações do Grupo Teatral Francisca Clotilde e de Artistas da “terra dos bons ares”, entre tantos, Rosângela de Sousa Ponciano e Netinho Ponciano, bisnetos de Francisca Clotilde.





                  







A Contista

Através do conto, Francisca Clotilde faz os primeiros passos, apercebendo e aprimorando-se para o cultivo de outro gênero, de maior amplitude e complexidade: o romance.
Dolor Barreira


É sabido que o ato de contar e ouvir histórias aguça a curiosidade. Nas sociedades primitivas, sacerdotes e seus discípulos, usavam contar pequenas histórias para a transmissão de mitos e ritos das tribos. Com o tempo, o modo de contar foi tomando novas direções, liberdades e formas.
Dentre os escritores brasileiros de maior porte na arte do conto encontra-se Machado de Assis, nas primeiras décadas do Século XIX. No Ceará, já em 1887 Francisca Clotilde, como membro do Centro Literário, tem seus contos lidos nas Sessões da Agremiação e publicados em A Quinzena, posteriormente em outros jornais e revistas, inclusive fora do estado do Ceará.
Tais contos abordam aspectos de vida real e/ou imaginários, através dos quais a autora denuncia as desigualdades sociais da época e convida o leitor a prática do bem e do belo. E é justamente graças a essa capacidade de fazer com que seus tipos e situações sejam sentidos pelo leitor que os contos de Francisca Clotilde cativam.
Teve, no ano de 1897, quarenta e dois contos, publicados em brochura “Coleção de Contos”, pela Typ. Cunha, Ferro & Cia de Fortaleza, contendo 126 páginas, dedicados “À memória de meus pais: João Correia Lima e Ana Maria Castelo Branco”. O livro foi prefaciado por Tibúrcio de Oliveira, ex-aluno e afilhado literário de Francisca Clotilde, que assim inicia a saudação à autora:

Prefaciar livro escrito por Senhoras é um grande perigo - para as autoras, que incidem no risco de um desastre evitável; para o prefaciador, vitimado a representar de Juiz, se não tiver ânimo de Salomão para isentar-se da poderosa influência das escritoras, e do preconceito da idéia de não ser desagradável ao belo sexo.

Infelizmente, a brochura não foi encontrada. Aqui transcrevemos três contos como amostra da sua produção. Francisca Clotilde questiona explicitamente as diferenças sociais em “Tristeza de Anjo”[72]

Era a primeira vez que Rosinha, a gentil e encantadora filha do comendador B... Entrava em uma choupana.
Naquela tarde ela prolongara o passeio pelos arredores da cidade, e casualmente fôra parar à porta de um desses pobres lares desabrigados cujos donos só possuem filhos e carinhos.
A graciosa criaturinha acostumada ao luxo e a grandeza ficou horrorizada ante o triste espetáculo que se lhe apresentou...
Uma mulher ainda moça, mas pálida e abatida pelo sofrimento estava rodeada de quatro criancinhas franzinas que se lhe achegavam ao seio, em busca de amor e agasalho.
A triste mãe estreitava-se dolorosamente aos pedaços de sua alma, que na véspera tinham ficado sem pai e derramava copiosas lágrimas.
O desespero invadia-lhe o coração, e fitando os seus pálidos anjinhos tinha acessos de dôr tão fortes que receava perder a razão.
Rosinha comoveu-se diante daquele quadro, cheios de angústia atrozes e não poude deixar de chorar.
Voltou do passeio aflita e consternada.
À noite havia reunião em casa do comendador, e na agradável palestra de família entremeiada de trechos de música habilmente executados por um pianista em voga, todos notaram a tristeza de Rosinha.
O sorriso feiticeiro e bondoso que sempre lhe brincava nos rosados lábios tinha desaparecido naquella noite para dar lugar a uma expressão de dor angelical e irresistível. Que tem a menina? Que tem a Rosinha camasinha de cortinado, e acorda aos beijos de minha mãe, alegre e venturosa.
Cercam-me de mimos, cobrem-me de afagos e eles?! Pobres crianças!
E toda essa desigualdade porque eu sou rica e eles são pobres!
Ah! Isso é injusto e mal, e Deus não devia permitir que assim fosse.
E enquanto o piano desprendia acordes harmoniosos ou variações agudas e brilhantes Rosinha enxugava as lágrimas que de vez em quando vinham humedecer-lhe os longos cílios.
Finalmente vai falar a Rosinha, disse a mãe, já meio risonha. Silêncio! Escutem minha filha.
E a menina ainda hesitante fez ouvir sua vozinha angelical, doce como um gorjeio d’ave ao romper da manhã, e contou o motivo de sua tristeza.
- Não imaginam, disse, como era aquela casa pobre e núa! Nem uma cadeira, nem uma mesa!
A viuva chorava abraçando os filhinhos, quatro criancinhas louras cujo aspecto fazia cortar o coração.
Tinha-lhes morrido ontem o pai e nem sequer possuíam dinheiro para vestirem luto.
Ah! Mamãe, nunca vi uma cousa que me causasse tanta pena!
Se estivesse em minhas mãos remediava aquele infortúnio.
E a Rosinha chorava sem poder sufocar o pranto.
Sua mãe não pode conter-se. Abraçou-a freneticamente, enquanto ela abria uns grandes olhos como se não tivesse compreendido a causa d’aquela efusão de ternura.
- Minha filha, irei amanhã ver a viúva e os órfãos que tanto te interessam, e toma-los-ei sob minha proteção.
- Bravo! Bravo! Disseram todos, e nós nos associamos de boa vontade à uma ação tão bela e a uma caridade que vai ser tão bem aplicada.
No outro dia a viúva recebeu mais de uma visita das pessoas que frequentavam os salões do comendador, e como estas lhe deixavam uma bôa esmola e a mãe de Rosinha cumprira a promessa solene que fizera, em breve tempo ela habitava uma singela, mas aseada casinha e seus filhos já robustos e vigorosos recebiam instrução em um dos colégios da cidade.
Tambem d’aquele dia em diante nunca mais se viu a Rosinha, triste, e como sua mãe lhe proporciona meios de acudir a todos os infortúnios, ela tornou-se para os infelizes uma espécie de Providência, e com uma ternura verdadeiramente angelical percorre as choupanas dos pobres espalhando sorrisos e esmolas e recebendo em troca afetos e bençãos”.

No conto “A Enjeitada[73]” Francisca Clotilde aborda, indignadíssima como a sociedade se comportava perante a realidade da mãe solteira, em finais do Século XIX:

A gentil criancinha viu a luz do dia em uma estreita e úmida mansarda. Filha do amor e do crime nascia quase ao desamparo, e apenas os beijos maternos festejaram-lhe a entrada no mundo.
A mãe seduzida por um homem sem coração necessitava encobrir a falta para continuar a viver entre a familia, e tinha de abandoná-la à caridade pública algumas horas depois de nascida.
Era tão franzina! Precisava tanto de cuidados maternos; porém a sociedade severa e inexorável a triste sorte da enjeitada.
São assim as leis humanas.
A moça inexperiente e sem o escudo de uma boa e sólida educação caíra aos amorosos assaltos de mancebo sedutor, e tornara-se mãe. Era, portanto, indispensável ocultar o fruto de uma culpa que o mundo não perdoa, e entre o amor de mãe e o terror do anátema que lhe cairia na fronte, a pobre moça hesitava.
Abandonar a filha, uma criaturinha frágil, flor mal desabrochada que a primeira carícia de vento pode molestar, deixá-la à porta de algum rico compassivo, privá-la dos seus beijos, não vê-la talvez mais!
Trouxera-a nove meses no seio, nutrindo-a com o seu sangue, com a sua própria vida.
Às ocultas fizera um enxolvazinho para que o seu anjo tivesse uma camisinha de rendas e uma touca enfeitada, ouvira-lhe o primeiro vagido, beijara-a com toda efusão de seu amor, e ia separar-se dela!
O seu coração de mãe revoltava-se.
Havia de conservá-la, embora a família a repelisse.
Trabalharia para sustentá-la, sofreria junto a si. Já lhe queria tanto!
Mas a vergonha e o opróbrio que a esperava?
Tratava-se naquele espírito abatido pela dor física numa luta horrível. Ficaria irremediavelmente perdida. A filha mais tarde envergonhar-se ia de sua origem e talvez a amaldiçoasse.
Aparecia-lhe o mundo com a sua moral severa a estigmatizá-la, a excluí-la do rol das mulheres honestas, a família a expulsá-la.
Podia continuar a ser querida e respeitada. Ninguém descobriria sua falta, freqüentaria a sociedade, seria bem recebida em toda parte, encontraria talvez um homem que a desposasse e havia de ser feliz. Mas para conseguir isso devia abandonar a filha aos cuidados estranhos, condená-la a implorar continuamente a caridade alheia. Era horroroso!...
Tinha-a junto do coração, molhava-lhe as francesinhas rosadas com lágrimas de ternura acariciava-lhe a loura cabecinha, extasiava se diante dos seus olhos que se abriam indecisos como para fitá-la e dizer-lhe: não me abandones.
O amor materno ia triunfar, mas ali estava alguém a reclamar-lhe a criança, a animá-la ao sacrifício expondo-lhe as conseqüências de sua fraqueza, a dizer-lhe que se apressasse, que em casa poderiam desconfiar de sua demora.
Pobre mãe! O miserável que murchou a coroa de tua virgindade não pensa decerto nas angústias porque estás passando.
Ri neste momento, quem sabe?
A sociedade não há de repelir, ele tem o direito de entrar com a fronte erguida nos salões, onde se ostenta a gente melhor e será recebida com atenções e obséquios.
Mas, tu, vítima indefesa, serias arremessada ao charco onde se revolvem as criaturas sem pudor.
Não te vendestes, o amor te perdeu, te entregastes generosamente e sem restrições ao homem que te fez pulsar o coração ainda virgem; porém o mundo não indaga destas cousas. Há de salpicar-te o rosto com a lama da degradação e marcar—há a fronte com o selo da ignomínia e da desonra!
Nem mesmo a maternidade dá o direito de esperar indulgência. Rirão de tua dor e zombarão de teus desvelos, e sobre tua filha recairá a tua infâmia.
A jovem mãe sente a vertigem do desespero. Passa-lhe pelos olhos uma nuvem que a deslumbra.
Aperta mais o filhinho, cobre-a de beijos, agasalha-a cuidadosamente contra as intempéries do tempo à pessoa que a espera.
Depois, como impelida por força sobre humana ergue-se do leito dos sofrimentos, deixa a mansarda úmida e estreita e volta para a casa da família.
Vai continuar a frequentar o mundo.
Ninguém lhe verá a palidez das faces e as palpitações nervosas do coração.
Sua honra está salva, porque o mundo contenta-se com exterioridades.
E enquanto ela aparentemente é feliz, e cercam-na de homenagens e afeições, a filhinha aos cuidados de estranhos não passa de uma Enjeitada.

Em “O Lyrio”, de Recife, revista dirigida por Amélia Beviláqua, esposa do jurisconsulto cearense Clóvis Beviláqua, vê publicado o seu “Conto Infantil”[74].

Gárrula e saltitante Lili descera ao jardim. O dia surgira esplendido e no azul do céo nem uma  nuvem que lhe toldasse a serenidade e a pureza. As flores em profusão desprendiam-se das corolas, soltando o perfume delicioso, e em  alegre revoada passavam as aves desferindo sonoros gorjeios.
Lili tinha que estudar as lições, escrever os temas, resolver os cálculos.
Que fastidiosa era a lição de gramática!
Uma grande preguiça a invadira perante o aspecto do jardim, em cujas aléas as borboletas brancas e iriadas voejavam n’um alviçareiro bando!
Em dourados frisos cahiam-lhe os cabelos sobre a testa e os olhos meio velados pela luz deslumbradora fitavam cobiçosos as roseiras cheias de botões e de folhas orvalhadas.
Nisto entrou a Maria, filha de um aldeão que não freqüentava a escola e vivia a brincar como as aves e com as borboletas.
- Vamos colher rosas, disse a Lili resoluta, disposta a gazear o estudo.
- Eu vinha... Balbuciou Maria tirando do bolso do aventalzinho remendado uma carta de ABC, eu vinha pedir à menina que me ensinasse a primeira lição.
Lili sentiu uma exprobração da consciência, uma pontinha de remorso, o quer que fosse que abalava lá dentro.
Ela que podia frequentar escolas, que tinha livros a escolher, mestres a dirigir-lhe o espírito, perdia as horas da manhã a olhar as flores, enquanto a pobrezinha queria aproveitar o tempo dedicando-se ao estudo!
Tomou Maria pela mão e deixando o jardim, onde o sol brilhava numa efusão de luz acariciadora e ardente, levou-a ao seu gabinete e ali ensinou-lhe a lição e protestou tornar-se uma mestra solicita dando-lhe o exemplo, que é o mais intuitivo de todos os ensinos.

Atrás de cada conto sente-se a presença benéfica da educadora dedicada, dominando completamente a escritora exímia que prende a atenção do leitor, aguçando a curiosidade e o fazendo viver seus personagens.
A pesquisa de Cecília Cunha "Além do amor e das Flores" nos ajuda a conhecer outras abordagens sociais através dos contos de Francisca Clotilde:
Em “Noivos”, o enredo trata de uma união entre dois jovens de classes sociais diferentes. O casal, ao pedir a bênção ao padre para a união, depara-se com uma recusa. Mesmo com o impedimento religioso, surpreende o desfecho da narrativa:

Não temos, portanto, necessidade de que abençoeis nossa união. As avesinhas vivem juntas (...) e as próprias flôres se aconchegam, impelidas pela lei do amor, a única que tem uma força enorme e avassala os corações mais empedernidos.[75]

A questão da religião também está no conto “Independente”, dedicado à Alba Valdez, que narra o momento em que uma mulher, agonizante, recebe a benção do padre:

Mas padre deixai-me morrer tranqüila (...). Eu não tenho pecados, nunca fiz nada a ninguém. Amei, fui amada. Embriaguei-me com o néctar delicioso da paixão... Se for este o meu crime não quero ser perdoada.[76]

No mesmo tom, o  conto “A rir”, representa o contentamento feminino  diante do amor correspondido. Exultante em palavras de alegria a personagem explica:

Sabes por que rio? É porque o predileto de minh’alma, aquele por quem o meu coração tem pulsações arrojadas, ardências desconhecidas, comparou meu riso a trechos de música de sabiás e disse que ele era  puro (...) que exprimia em suas inflexões os ardores do oceano, as caricias de brisa, a sonoridade dos gorgeios, a doçura dos beijos e os enlevos das idealidades de que vivem os eternos sonhadores.[77]

O sentimento de nostalgia, como em “Vivendo do passado”. A natureza é testemunha, ou melhor, evoca as lembranças da personagem, que se deixa levar por elas:

Tudo mudara em torno d’ela.  Apenas o luar que emergia no horizonte tinha aquela mesma luz suave e pura e as flores as mesmas emanações recendentes que outrora encanavam o seu rosto radiante de prazer e vinha agora lhe acariciar a beleza eclipsada, envolta numa saudade negra e penada como o sudário da morte.[78]






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